quinta-feira, 22 de maio de 2008

Os limites da brabeza

Conhecendo um pouco os Kayapó, penso que o ocorrido foi muito provavelmente um acidente. Tenho para mim que o intuito dos índios não era realmente ferir (e muito menos matar) o engenheiro da Eletrobrás, e sim encenar um ataque, talvez com a idéia de reavivar o gesto simbólico da índia Tuíra, realizado em circunstâncias parecidas, no célebre encontro de Altamira em 1989.


(Foto Paulo Jares / Video Foto. In: Povos Indígenas do Brasil 1987-90, CEDI, 1991)


Percebe-se pelas imagens da TV Globo que os índios efetivamente não deram qualquer golpe de facão, apenas simularam-no, enquanto puxavam pela camisa e empurravam o engenheiro. Mas as encenações de violência nem sempre são inteiramente controladas. E nesse caso foi além da conta. Em primeiro lugar porque foram gestos totalmente desproporcionais em relação ao gesto original de Tuíra. E sobretudo porque, na confusão, um terçado acabou triscando o braço do representante da Eletronbrás, ferindo-o. O resultado poderia ter sido mais grave. Felizmente não foi.

De qualquer maneira, não se justifica. Com isso, os Kayapó não ganham nada. Na base da força, hoje, eles acabam tornando-se mais fracos. Não é uma alternativa responsável, além de ser totalmente contraproducente. Creio que esse tipo de acontecimento não conta com a aprovação da maioria dos Mebêngokré.

Porém, nunca é demais lembrar que tudo teria sido evitado se os organizadores do encontro não tivessem deixado os índios entrar armados no recinto.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Mebêngôkre kam akrê



Os Kayapós ficam brabos.

Em língua mebêngôkre (kayapó)

Àkrê/djàkrê ≈ brabo, furioso, valente, selvagem, feroz, perigoso, corajoso, irado, irritadiço.
Uabô/djuabô ≈ manso, covarde, fraco, pacífico, dócil, domesticado, subjugado, gentil, humilde.


A origem da bravura
Antigamente os índios eram mansos (uabô), fracos e não tinham armas. Eles vivam à mercê de Àkti, o gavião gigante, que os caçava, carregava-os pelo céu até seu ninho e os devorava. Um dia uma mulher velha foi ao mato com seus dois sobrinhos pequenos para tirar palmito. Ali ela foi atacada por Àkti diante dos meninos, que fugiram aterrorizados para a aldeia. O tio dos meninos (irmão da mulher devorada pelo grande gavião), movido pelo sentimento de vingança, descobre um meio de liquidar o monstro, transformando seus sobrinhos em super-homens. Ele coloca os meninos dentro de um grotão, alimentando-os com beiju, banana e tubérculos para que cresçam bastante e fiquem fortes. Passam-se os dias e é como se os meninos fermentassem dentro d’água. Depois de um tempo, eles haviam crescido e tornado-se enormes, mais fortes e capazes que qualquer índio. Ficaram valentes (àkrê). Caçavam antas e outras caças grandes como se elas fossem pequenos roedores.
Um dia, então, Kukry-uire e Kukry-kakô saem para caçar o Àkti, munidos de borduna, lança e um apito de taquara, armas feitas pelo tio. Ergueram um abrigo de palha no chão, de onde se via o ninho do gavião. Ao pé da árvore, havia uma pilha de restos humanos, como ossos e cabelos. Os irmãos atraíram Àkti, soprando o apito. A imensa ave descia pronta para o ataque, mas eles escondiam-se no abrigo, deixando-a desnorteada. Fizeram assim muitas vezes, deixando o pássaro cada vez mais furioso e desorientado, até que mostrou sinais de cansaço. Os irmãos, então, mataram-no com lança e borduna. Como troféu, tiraram penas de Àkti e puseram na cabeça. Cantaram. Celebraram. Depois depenaram a ave e retalharam-na em pedaços pequenos. Sopraram as penas e elas foram transformando-se em pássaro. As penas maiores deram origem as aves maiores (gavião, urubu, arara), as plumas menores deram origem aos pequenos pássaros como o beija-flor.