domingo, 23 de novembro de 2008
Publicações sobre Lévi-Strauss
Aproveitando a ocasião do aniversário de cem anos de Lévi-Strauss, foram lançados alguns livros com enfoques variados sobre a obra do antropólogo francês. Abaixo, do lado direito, na seção Livro do Mês, há uma pequena lista destas publicações recentes.
Mesmo não sendo tão recente, cabe o destaque ao volume sobre Lévi-Strauss publicado pelas Éditions de L'Herne, cujas coleções, para a mim, são de excelente qualidade. O caderno dedicado a Lévi-Strauss saiu em 2004 e foi dirigido por Michel Izard.
Lévi-Strauss no Laboratoire d'Anthropologie Sociale
O Laboratório de Antropologia Social foi uma instituição de pesquisa criada por Lévi-Strauss em 1960, pouco tempo depois de sua eleição para o Collége de France (1958).
Em função das comemorações do centenário de Lévi-Strauss, o Laboratório preparou uma página especial em seu site na internet, com várias informações sobre seu fundador, links para entrevistas, além de uma listagem de homenagens realizadas em vários países do mundo. Para ver clique aqui.
Centenário de Claude Lévi-Strauss em Paris
No dia 28 de novembro, o antropólogo Claude Lévi-Strauss completa 100 anos. Lévi-Strauss dispensa maiores apresentações, porém não custa lembrar particularmente que ele teve uma considerável influência na antropologia brasileira, desde sua passagem como professor da Universidade de São Paulo nos anos 30. O estruturalismo saiu de moda, mas foi no campo da etnologia indígena que a contribuição de Lévi-Strauss parece mais duradoura e marcante, principalmente após a publicação, entre as décadas de 1960 e 1990, dos diversos volumes de análise dos mitos indígenas, as Mitológicas.
Nesta semana, em Paris, haverá uma série de eventos comemorativos do centenário. Abaixo segue a programação de um deles, a ser realizado no Colège de France a partir do dia 25.
Já o Museu do Quai Branly preparou uma jornada especial de homenagens, no dia 28 de novembro, com exposições de objetos e fotografias, projeçoes de filmes, e sessões de leitura de trechos das obras de Lévi-Strauss, que serão realizadas por uma centena de convidados, entre artistas, escritores e antropólogos, incluindo-se alguns brasileiros, como Carlos Fausto e Aparecida Vilaça.
domingo, 29 de junho de 2008
Hora da música
Para descansar no final de semana, uma peça musical do ótimo compositor Georges Delerue, escrita para o não menos (ótimo) filme de François Truffaut, Noite Americana, de 1973.
Georges Delerue - La Nuit Américaine
Georges Delerue - La Nuit Américaine
sexta-feira, 27 de junho de 2008
E quem adverte o Ministério da Saúde?
Propaganda para jovens e crianças, só se for de preservativo estatal. Mais uma iniciativa do Ministério da Saúde.
Clique aqui para ler a matéria no site do Globo Online.
O Brasil e a Liberdade: o cerco continua
Nova tentativa de controle partindo do Ministério da Saúde:
Clique aqui para ler a matéria no site Globo Online.
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sexta-feira, 20 de junho de 2008
O Brasil e a Liberdade
Abaixo um breve apanhado de notícias que eu li nos jornais nas últimas semanas.
1. O presidente da república - que é apreciador e degustador de uma boa pinga - sanciona lei que proíbe venda de bebidas alcóolicas em margem de rodovias federais e que pune com a perda do direito de dirigir o cidadão que tiver qualquer teor alcóolico no sangue.
Com isso, em teoria, comer um bombom recheado com licor ou uma panqueca flambada com conhaque e dirigir pode implicar a perda da carteira de habilitação e uma multa de quase mil reais.
2. A Advocacia Geral da União pede ao Supremo Tribunal Federal que mantenha em vigor alguns artigos da famigerada Lei de Imprensa, notadamente aqueles artigos constantes do Capítulo III.
3. Justiça Eleitoral de São Paulo multou o jornal Folha de S. Paulo e a Revista Veja por terem publicado entrevista de Marta Suplicy, candidata à prefeitura da cidade de São Paulo, sob o entendimento de que a publicação significava propaganda eleitoral antecipada.
4. O Ministério Público Eleitoral ingressou com representações na Justiça, desta vez contra o jornal O Estado de S. Paulo e contra a Revista Veja, sob alegação de que entrevista publicada com o atual prefeito (e candidato à reeleição), Gilberto Kassab, configura também propaganda extemporânea.
6. Decreto do prefeito Cesar Maia proíbe que se fume em qualquer recinto coletivo fechado no município do Rio de Janeiro, seja ele público ou privado. O decreto define como recinto coletivo fechado todos os espaços destinados à utilização de várias pessoas ao mesmo tempo, cercados ou de qualquer forma delimitados por teto e paredes, divisórias ou qualquer outra barreira física, com ou sem janelas, incluindo-se saguões, halls, antecâmaras, escadas, rampas, corredores e praças de alimentação.
Em teoria, fumar no anel superior do Maracanã está proibido. Fumar dentro de uma tabacaria também.
7. O ministro José Temporão - que é defensor da descriminalização do aborto - apresentou as imagens que deverão ser impressas em maços de cigarro como parte das ações anti-tabagistas do governo federal. Eis duas dessas imagens:
8. Senador Cristovam Buarque propõe uma lei que torna obrigatória a exibição de pelo menos duas horas mensais de filmes brasileiros nos estabelecimentos de ensino das redes federal, estadual e municipal.
9. A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro derruba veto do governador e transforma em lei o projeto do deputado Marcelo Simão que torna obrigatório o ensino de xadrez em escolas da rede estadual do Rio de Janeiro.
Se um aluno não gostar de xadrez e preferir jogar, por exemplo, damas, baralho ou futebol, problema dele. Vai ter que aprender xadrez ou pode acabar, um dia, quem sabe, no xadrez.
1. O presidente da república - que é apreciador e degustador de uma boa pinga - sanciona lei que proíbe venda de bebidas alcóolicas em margem de rodovias federais e que pune com a perda do direito de dirigir o cidadão que tiver qualquer teor alcóolico no sangue.
Com isso, em teoria, comer um bombom recheado com licor ou uma panqueca flambada com conhaque e dirigir pode implicar a perda da carteira de habilitação e uma multa de quase mil reais.
2. A Advocacia Geral da União pede ao Supremo Tribunal Federal que mantenha em vigor alguns artigos da famigerada Lei de Imprensa, notadamente aqueles artigos constantes do Capítulo III.
3. Justiça Eleitoral de São Paulo multou o jornal Folha de S. Paulo e a Revista Veja por terem publicado entrevista de Marta Suplicy, candidata à prefeitura da cidade de São Paulo, sob o entendimento de que a publicação significava propaganda eleitoral antecipada.
4. O Ministério Público Eleitoral ingressou com representações na Justiça, desta vez contra o jornal O Estado de S. Paulo e contra a Revista Veja, sob alegação de que entrevista publicada com o atual prefeito (e candidato à reeleição), Gilberto Kassab, configura também propaganda extemporânea.
5. Presidentes de 26 Tribunais Regionais Eleitorais vão enviar proposta ao TSE solicitando que seja proibido o envio de "torpedos" (mensagens de texto remetidas por celular) em todo o Brasil durante a semana das eleições. A intenção é evitar que se faça propaganda negativa dos candidatos.
6. Decreto do prefeito Cesar Maia proíbe que se fume em qualquer recinto coletivo fechado no município do Rio de Janeiro, seja ele público ou privado. O decreto define como recinto coletivo fechado todos os espaços destinados à utilização de várias pessoas ao mesmo tempo, cercados ou de qualquer forma delimitados por teto e paredes, divisórias ou qualquer outra barreira física, com ou sem janelas, incluindo-se saguões, halls, antecâmaras, escadas, rampas, corredores e praças de alimentação.
Em teoria, fumar no anel superior do Maracanã está proibido. Fumar dentro de uma tabacaria também.
7. O ministro José Temporão - que é defensor da descriminalização do aborto - apresentou as imagens que deverão ser impressas em maços de cigarro como parte das ações anti-tabagistas do governo federal. Eis duas dessas imagens:
8. Senador Cristovam Buarque propõe uma lei que torna obrigatória a exibição de pelo menos duas horas mensais de filmes brasileiros nos estabelecimentos de ensino das redes federal, estadual e municipal.
9. A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro derruba veto do governador e transforma em lei o projeto do deputado Marcelo Simão que torna obrigatório o ensino de xadrez em escolas da rede estadual do Rio de Janeiro.
Se um aluno não gostar de xadrez e preferir jogar, por exemplo, damas, baralho ou futebol, problema dele. Vai ter que aprender xadrez ou pode acabar, um dia, quem sabe, no xadrez.
sábado, 31 de maio de 2008
A insustentável sustentabilidade brasileira
Para o pessoal da cidade grande, que costuma ouvir falar em Amazônia sustentável e manejo florestal, eis uma pequena amostra das condições de trabalho em áreas de floresta relativamente preservadas e isoladas como são as terras indígenas.
O custo operacional é impraticável por uma série de razões, de várias ordens, que vão desde a dificuldade de implantar infra-estrutura até a burocracia e ineficiência governamental, passando pelas características climáticas, pelo regime de chuvas, pela cultura local de trabalho informal, pela falta de pessoal qualificado. Sem falar nos custos da certificação.
Não sei se a coisa mudou, mas até bem pouco tempo, tudo conspirava contra aqueles que desejavam realizar atividade econômica lucrativa na floresta, pautando-se pelos critérios da responsabilidade socioambiental e desenvolvimento sustentável.
As imagens abaixo foram tiradas durante uma "safra" de madeira manejada na área Xikrin do Cateté. Elas representam só uma parte do trabalho: recuperar estrada, abrir ramais de acesso e arraste, e fazer o corte. Antes era preciso fazer o zoneamento, censo florestal, inventário diagnóstico, passar pela fiscalização do Ibama, esperar pela emissão das autorizações (ATPFs). E depois ainda faltava o transporte, o beneficiamento na serraria e a comercialização.
Talvez fosse mais fácil levar o Caruso para cantar ópera na floresta.
Chamem o Fitzcarraldo.
(E não custa lembrar das palavras do Herzog, postadas aqui mesmo no blog).
As fotografias são de autoria da equipe do Instituto Socioambiental que trabalhava no projeto, prestando assessoria aos Xikrin.
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Fotos históricas dos Xikrin
Aldeia Xikrin do Cateté, 2000 (Cesar Gordon)
No dia 25 de outubro de 2000, às 6h20 da manhã, eu pulei da rede ainda zonzo de sono, ao escutar o ruído distante de um motor de avião se aproximando da aldeia. Seria a primeira de uma série interminável de aeronaves que pousariam na pista da aldeia Cateté naquele dia.
Tratava-se da comitiva dos ministros da Justiça e do Meio-ambiente que faziam uma visita aos Xikrin para comemorar a primeira exploração legal e sustentável de madeira certificada realizada por uma comunidade indígena no Brasil.
Os Xikrin fizeram uma recepção magnífica, de sorte que os ministros sentiram-se muito bem e à vontade nas poucas horas em que estiveram na aldeia. Os índios demonstraram satisfação com a visita das autoridades, mas não deixaram de cobrar um apoio mais efetivo para que o projeto de manejo, pioneiro no país, tivesse continuidade, e para que outros povos indígenas que enfrentavam o problema da extração ilegal de madeira em suas terras pudessem um dia celebrar também uma “festa da madeira”.
Foi um exemplo de civilidade. Mas o apoio institucional do governo não veio.
Para saber o que foi o projeto de manejo florestal xikrin, leia aqui.
O então ministro Zequinha Sarney é recpecionado pelo cacique Karangre (Foto CG)
Índias Xikrin cumprimentaram ministros e autoridades (Foto CG)
Cacique Karangre discursa sob olhar atento das jornalistas (Foto CG)
O então ministro José Gregori comemora com os caciques Karangré e Bepkaroti (Foto CG)
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sexta-feira, 30 de maio de 2008
Um olhar antropológico sobre o caso Kayapó
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Imagem: Sergio Macedo, Xingu!, 2007
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A propósito dos últimos acontecimentos envolvendo os índios Kayapó em Altamira e bastante noticiados pela imprensa (ver abaixo), lembrei que no capítulo 6 do meu livro (Economia Selvagem: ritual e mercadoria entre os índios Xikrin Mebêngôkre), eu havia tratado da questão da violência e da agressividade dos Xikrin, especialmente no contexto das reuniões políticas com os brancos (Funai e principalmente Vale do Rio Doce). Os Xikrin são um dos subgrupos Kayapó (ou Mebêngôkre), habitando a região do sudeste do Pará desde meados do século XIX.
O texto abaixo é uma versão ligeiramente adpatada do livro, na qual eu articulo a questão da agressividade com algumas categorias e idéias fundamentais no pensamento Xikrin e Kayapó.
Ele vai dividido em três partes para facilitar a leitura no blog.
Imagem: Sergio Macedo, Xingu!, 2007
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A propósito dos últimos acontecimentos envolvendo os índios Kayapó em Altamira e bastante noticiados pela imprensa (ver abaixo), lembrei que no capítulo 6 do meu livro (Economia Selvagem: ritual e mercadoria entre os índios Xikrin Mebêngôkre), eu havia tratado da questão da violência e da agressividade dos Xikrin, especialmente no contexto das reuniões políticas com os brancos (Funai e principalmente Vale do Rio Doce). Os Xikrin são um dos subgrupos Kayapó (ou Mebêngôkre), habitando a região do sudeste do Pará desde meados do século XIX.
O texto abaixo é uma versão ligeiramente adpatada do livro, na qual eu articulo a questão da agressividade com algumas categorias e idéias fundamentais no pensamento Xikrin e Kayapó.
Ele vai dividido em três partes para facilitar a leitura no blog.
Domesticados e Selvagens (parte I)
Os brancos no centro da roda
Reuniões com os representantes da Companhia Vale do Rio Doce, funcionários da FUNAI, políticos ou procuradores públicos são momentos de grande efervescência política para os Xikrin, grupo Mebêngokre (Kayapó) do Sul do Pará, falante de uma língua jê setentrional. Reuniões são eventos nos quais os Xikrin, em bloco, procuram afirmar-se politicamente e fazer valer suas demandas diante da sociedade brasileira.
O texto que se segue baseia-se primordialmente em observações feitas durante reuniões dos índios Xikrin com funcionários da Companhia Vale do Rio Doce, empresa que capitaneia a exploração mineraria na região de Carajás e que mantém um convênio de assistência aos índios, a titulo de compensação pelos impactos ambientais em uma zona de floresta vizinha à Terra Indígena Xikrin.
Atualmente, a Vale do Rio Doce é a principal fonte de recursos dos Xikrin, movimentando vultosos gastos anuais para cumprir o Convênio 453 de 1989, e contratos subseqüentes com os Xikrin. Os recursos são gerenciados por associações sem fins lucrativos dirigidas pelos Xikrin, e alocados a diversos programas de assistência – saúde, educação, infra-estrutura, vigilância do território, atividades produtivas, transporte, abrangendo ainda boa parte do pessoal envolvido nessas atividades – e incluem uma verba fixa, paga mensalmente, destinada ao consumo de bens não-duráveis. O Convênio garante aos Xikrin um bom padrão de assistência, provavelmente bem melhor do que o da grande maioria das populações indígenas no Brasil, ainda que a Vale do Rio Doce não venha sendo capaz de gerenciar de maneira adequada e inteligente sua relação com os índios.
Os gastos anuais destinados aos Xikrin costumavam ser orçados normalmente a cada final de ano, ou início do ano-base, em reunião dos índios com representantes da Vale do Rio Doce e da Funai, na “casa dos homens” no centro da aldeia, ou no núcleo de Carajás, sede da companhia, ou ainda em Marabá. Nessas ocasiões, os índios estabelecem e apresentam aos encarregados da Vale as suas prioridades de desembolso: construção de casas, aquisição de barcos e motores, aquisição de caminhões para transportá-los às cidades vizinhas, aumento do valor da verba destinada ao consumo mensal, etc.
A reunião de planejamento é antecedida, durante alguns meses, de uma intensa, difusa e complexa mobilização da comunidade indígena. Tal mobilização sofre, evidentemente, interferências múltiplas e heterogêneas de uma série de pessoas envolvidas com os Xikrin – representantes da própria Vale do Rio Doce; assessores do Convênio e técnicos; funcionários do Posto Indígena, incluindo os chefes da Funai, pessoal de saúde e educação; funcionários das associações; terceiros diversos (empreiteiros, por exemplo); cada qual com suas motivações específicas, algumas mal-disfarçadamente direcionadas muito mais aos próprios interesses do que em prol dos índios. Mas é claro que, mesmo as sugestões bem-intencionadas de alguns dos atores não vão sempre ao encontro do que desejam os próprios índios.
No que concerne exclusivamente a eles, as demandas têm, geralmente, sua origem no interior das unidades domésticas, as casas. Alguém precisa de uma moradia nova ou de uma reforma no telhado. Um outro deseja um motor de popa para seu barco. Uma mulher reclama da falta de uma máquina de costura. Outra diz que é preciso equipar sua cozinha com um fogão, pois mal é possível preparar a comida para as pessoas de sua casa sem tal utensílio. Outra, ainda, lembra que seu filho tirou carteira de motorista, e que seria importante que ele começasse a treinar no caminhão da comunidade, ou em uma viatura nova, substituindo o motorista não-indígena. Surgem também assuntos gerais, como aumento da verba mensal, construção e melhoria de estradas dentro da área, aumento de recursos para saúde, etc.
De rumores domésticos, as demandas individuais e coletivas vão lentamente ganhando momento e materialidade, até serem finalmente expressas de modo público na “casa dos homens”. Mas, antes disso, muita conversa já terá acontecido na casa dos chefes, que serão porta-vozes de um conjunto de reivindicações. Finalmente, nos dias que precedem a grande reunião, todos os homens conversam muito na casa do centro da aldeia. Então, depois de tanto escutar, o chefe da aldeia prepara uma lista de solicitações, que será entregue aos representantes da Vale do Rio Doce na hora da reunião.
O ponto alto de todo esse processo é a grande reunião de planejamento, envolta em impressionante mise-en-scène por parte dos Xikrin. As aldeias mobilizam-se e a maior parte dos homens adultos se faz presente, junto com os chefes e lideranças, formando um grupo de algumas dezenas de homens, que se referem a si mesmos em português como “guerreiros”. As mulheres, normalmente, não participam das reuniões, sobretudo quando não ocorrem na aldeia. Mas, eventualmente, podem acercar-se da casa no centro da aldeia, com as crianças, para observar o que se passa. Os homens apresentam-se pintados e paramentados, com adornos plumários, braceletes, quase sempre portando as antigas armas de guerra: bordunas, arcos e flechas. Reúnem-se na “casa dos homens” à espera dos brancos, em meio à exortações proferidas ora pelos chefes, ora por homens mais velhos.
Foto Cesar Gordon
Quando chegam à aldeia os representantes da Vale do Rio Doce, os servidores da Funai ou os funcionários brancos das associações, todos os homens xikrin já se encontram na casa de reuniões. Em pouco tempo, os funcionários brancos vêem-se cercados por uma massa de índios pintados e ornamentados. A sensação de desconforto para alguns brancos é nítida. Há uma seqüência de cumprimentos, que os índios fazem questão de realizar. Depois um dos líderes inicia a reunião, conclamando os representantes da Vale do Rio Doce a colocarem se no centro da “casa dos homens” para prestar os informes necessários quando for sua vez de falar. Mas antes falam os índios. Alguns em tom moderado, outros em duros discursos contra a companhia, responsabilizada pelas carências da aldeia.
Foto Cesar Gordon
As reuniões obedecem a um ritmo ou a um roteiro razoavelmente fixo, ditado pelos Xikrin. Eles iniciam falando, a começar pelos chefes, que se pronunciam em português, mas com trechos em mebêngôkre dirigidos à audiência indígena, entre os quais se destacam várias expressões de incentivo, com função fática (djãm tãm? ≈ ‘não é isso?’; djãm kôt? ≈ ‘está certo?’), respondidas em uníssono pelos homens: Tãm! (‘isso mesmo!’), Nà! (‘sim’). Os chefes são seguidos por outros “guerreiros”, cujos discursos apresentam enorme homogeneidade, por vezes tratando-se de repetições e reiterações de trechos já ditos pelos que falaram anteriormente.
Algumas vezes, os Xikrin fazem coincidir essas reuniões de política externa com o período cerimonial. Realizados também, quase sempre, no centro da aldeia, os rituais xikrin têm, caracteristicamente, a capacidade de criar, por uma série de procedimentos, um estado emocional e afetivo partilhado por todos os co-residentes aldeãos. Esses procedimentos são de diversas ordens, mas têm como motivo uma espécie de “focalização” perceptiva, sensorial e performativa que produz uma aproximação ou identidade corporal e psíquica das pessoas: dança-se junto (em fila, de mãos dadas, ou abraçados, com os corpos juntos), canta-se em uníssono (ainda que em vários momentos haja separação entre vozes masculinas e femininas), come-se junto, relembram-se parentes mortos e histórias de antepassados comuns.
Nos períodos rituais, determinados sentimentos e afetos que são cotidianamente partilhados apenas pelo círculo mais restrito de parentes podem ser reconhecidos mais amplamente em todos os co-residentes (e eventualmente em gente de outras aldeias, já que os rituais podem congregá-las). Tais sentimentos, no contexto doméstico, constituem-se pelo processo de “fabricação corporal”, isto é, pela fabricação dos corpos (afetos e sentimentos) dos parentes como se fossem um mesmo corpo ou um corpo assemelhado pela partilha de substâncias – esse “nhi pydji” : ‘corpo único’, ‘carne única’, como dizem os Xikrin, que é característico dos parentes próximos e que já foi definido na literatura sobre os Jê do Norte como o “grupo de substância” (ver Roberto da Matta, por exemplo, O mundo dividido, 1976, p.244).
Nos períodos rituais, os corpos, afetos e sentimentos partilhados e assemelhados do ambiente familiar e doméstico parecem poder ser partilhados pela aldeia inteira. E são reconhecidos como os mesmos sentimentos e afetos corporais inerentes à esfera doméstica, constituindo, assim, a idéia de um único corpo físico e social, uma comunidade, enfim. Pode-se dizer, portanto, que os procedimentos rituais estão na base da constituição da própria comunidade em seu sentido pleno. Nesse sentido, o ritual apareceria como o ponto mais alto do processo de fabricação do parentesco e de constituição dos grupos locais xikrin e kayapó, pensados como grupos de parentes.
Foto Cesar Gordon
Portanto, não é casual que os Xikrin definam o momento da reunião com os brancos no centro da aldeia com a expressão aben pydji (‘tornar-se um’). É como se, tal como os rituais tradicionais, as reuniões políticas pudessem também criar um estado afetivo comum, um corpo comum, que se contrapõe, então, nesse momento, aos brancos ou kuben (termo da língua mebêngôkre utilizado para se referir aos brancos ou não indígenas de maneira geral). Podemos supor também que o estado de “comunidade” constituído pelo ritual facilite o entendimento e o consenso interno num momento em que é preciso atuar homogeneamente e em bloco para obter melhores resultados diante de um estrangeiro poderoso.
Quando a reunião ocorre fora da aldeia, os Xikrin preparam-se para ir à cidade de um modo totalmente diferente de quando para lá vão no dia-a-dia. Em circunstâncias corriqueiras, eles visitam a cidade vestidos com roupas de branco e gostam de se apresentar “bem-arrumados”, “civilizados”, “igual ao kuben”. Isto é, procuram apresentar a face domesticada ou pacífica (tradução do termo uabô) de sua relação com os estrangeiros. Para os importantes eventos políticos, ao contrário, os Xikrin acorrem à cidade como se estivessem partindo para uma expedição de caça ou de guerra. Assumem uma aparência àkrê, isto é, ‘bravia’, ‘feroz’, ‘selvagem’ – e apresentam-se como se fossem supostamente atacar um inimigo. O antropólogo norte-americano Tercence Turner, talvez o maior conhecedor da cultura meêngôkre kayapó, já havia chamado a atenção para o modo como os Kayapó utilizam conscientemente a imagem que deles fazem os brasileiros, e se valem dos signos de sua reputação de guerreiros ferozes para obter dividendos políticos. Turner descreveu a expedição dos Kayapó para o célebre “encontro de Altamira”, em 1989, como sendo equivalente a uma “caçada coletiva” (“Baridjumoko em Altamira”, Povos Indígenas do Brasil 1987 1990, CEDI, 1991, p.337).
A questão é interessante. Nos dias de hoje os Xikrin (e outros Kayapó) não mais se consideram eminentemente àkrê (brabos, selvagens), nem se reconhecem efetivamente como guerreiro – no sentido estrito de não fazerem mais guerras reais, já que, por outro lado, os homens continuam adesignando-se a si mesmos, simbolicamente pela palavra “guerreiros”. De qualquer modo, na performance das reuniões, é como se os Xikrin reativassem um estado belicoso, fazendo da sua própria braveza, ou dos símbolos de sua braveza, um código e uma pragmática. Digo isso porque quando perguntados sobre sua atuação agressiva nas reuniões, os índios foram explícitos em afirmar que se trata de uma estratégia de negociação, para que os brancos fiquem acuados (kam uma kadjy – ‘para que tenham medo’), e não de uma ameaça concreta de violência. Assim, paralelamente à aparência bravia, destacam a relevância de saber “falar duro” (kaben töjx, kaben katàt) com os brancos para que suas reivindicações sejam atendidas. De fato, as reuniões são eventos em que a oratória xikrin é extremamente ressaltada. Por isso é importante atualmente dominar bem o português, para que se possa impressionar os brancos com as palavras certas, direitas (kaben katàt).
Muitas vezes, porém, as negociações tornam-se tensas, os Xikrin voltam a falar, endurecendo a conversa, eventualmente ‘ameaçando’ tomar atitudes mais extremas. Fechar as estradas de acesso à Serra de Carajás, paralisando algumas das operações da Vale do Rio Doce, é uma das ameaças constantes dos Xikrin, caso a empresa descumpra os acordos previamente estabelecidos. E os Xikrin podem, de fato, invadir a Serra de Carajás e fechar a estrada ou a ferrovia, como já ocorreu, recentemente, em algumas ocasiões, com a nítida disposição de obter, por pressão, o que fora acertado e, do seu ponto de vista, descumprido. Esses momentos podem desdobrar se em eventos bastante tensos e problemáticos, nos quais os Xikrin podem tornar-se, suponho, verdadeiramente àkrê. A questão é delicada. Aliás, esse é um ponto em que os índios insistem enfaticamente, dizendo que só tomam medidas mais enérgicas quando percebem que estão sendo enganados ou “enrolados”, conforme dizem, até o limite do tolerável pelos brancos.
Reuniões com os representantes da Companhia Vale do Rio Doce, funcionários da FUNAI, políticos ou procuradores públicos são momentos de grande efervescência política para os Xikrin, grupo Mebêngokre (Kayapó) do Sul do Pará, falante de uma língua jê setentrional. Reuniões são eventos nos quais os Xikrin, em bloco, procuram afirmar-se politicamente e fazer valer suas demandas diante da sociedade brasileira.
O texto que se segue baseia-se primordialmente em observações feitas durante reuniões dos índios Xikrin com funcionários da Companhia Vale do Rio Doce, empresa que capitaneia a exploração mineraria na região de Carajás e que mantém um convênio de assistência aos índios, a titulo de compensação pelos impactos ambientais em uma zona de floresta vizinha à Terra Indígena Xikrin.
Atualmente, a Vale do Rio Doce é a principal fonte de recursos dos Xikrin, movimentando vultosos gastos anuais para cumprir o Convênio 453 de 1989, e contratos subseqüentes com os Xikrin. Os recursos são gerenciados por associações sem fins lucrativos dirigidas pelos Xikrin, e alocados a diversos programas de assistência – saúde, educação, infra-estrutura, vigilância do território, atividades produtivas, transporte, abrangendo ainda boa parte do pessoal envolvido nessas atividades – e incluem uma verba fixa, paga mensalmente, destinada ao consumo de bens não-duráveis. O Convênio garante aos Xikrin um bom padrão de assistência, provavelmente bem melhor do que o da grande maioria das populações indígenas no Brasil, ainda que a Vale do Rio Doce não venha sendo capaz de gerenciar de maneira adequada e inteligente sua relação com os índios.
Os gastos anuais destinados aos Xikrin costumavam ser orçados normalmente a cada final de ano, ou início do ano-base, em reunião dos índios com representantes da Vale do Rio Doce e da Funai, na “casa dos homens” no centro da aldeia, ou no núcleo de Carajás, sede da companhia, ou ainda em Marabá. Nessas ocasiões, os índios estabelecem e apresentam aos encarregados da Vale as suas prioridades de desembolso: construção de casas, aquisição de barcos e motores, aquisição de caminhões para transportá-los às cidades vizinhas, aumento do valor da verba destinada ao consumo mensal, etc.
A reunião de planejamento é antecedida, durante alguns meses, de uma intensa, difusa e complexa mobilização da comunidade indígena. Tal mobilização sofre, evidentemente, interferências múltiplas e heterogêneas de uma série de pessoas envolvidas com os Xikrin – representantes da própria Vale do Rio Doce; assessores do Convênio e técnicos; funcionários do Posto Indígena, incluindo os chefes da Funai, pessoal de saúde e educação; funcionários das associações; terceiros diversos (empreiteiros, por exemplo); cada qual com suas motivações específicas, algumas mal-disfarçadamente direcionadas muito mais aos próprios interesses do que em prol dos índios. Mas é claro que, mesmo as sugestões bem-intencionadas de alguns dos atores não vão sempre ao encontro do que desejam os próprios índios.
No que concerne exclusivamente a eles, as demandas têm, geralmente, sua origem no interior das unidades domésticas, as casas. Alguém precisa de uma moradia nova ou de uma reforma no telhado. Um outro deseja um motor de popa para seu barco. Uma mulher reclama da falta de uma máquina de costura. Outra diz que é preciso equipar sua cozinha com um fogão, pois mal é possível preparar a comida para as pessoas de sua casa sem tal utensílio. Outra, ainda, lembra que seu filho tirou carteira de motorista, e que seria importante que ele começasse a treinar no caminhão da comunidade, ou em uma viatura nova, substituindo o motorista não-indígena. Surgem também assuntos gerais, como aumento da verba mensal, construção e melhoria de estradas dentro da área, aumento de recursos para saúde, etc.
De rumores domésticos, as demandas individuais e coletivas vão lentamente ganhando momento e materialidade, até serem finalmente expressas de modo público na “casa dos homens”. Mas, antes disso, muita conversa já terá acontecido na casa dos chefes, que serão porta-vozes de um conjunto de reivindicações. Finalmente, nos dias que precedem a grande reunião, todos os homens conversam muito na casa do centro da aldeia. Então, depois de tanto escutar, o chefe da aldeia prepara uma lista de solicitações, que será entregue aos representantes da Vale do Rio Doce na hora da reunião.
O ponto alto de todo esse processo é a grande reunião de planejamento, envolta em impressionante mise-en-scène por parte dos Xikrin. As aldeias mobilizam-se e a maior parte dos homens adultos se faz presente, junto com os chefes e lideranças, formando um grupo de algumas dezenas de homens, que se referem a si mesmos em português como “guerreiros”. As mulheres, normalmente, não participam das reuniões, sobretudo quando não ocorrem na aldeia. Mas, eventualmente, podem acercar-se da casa no centro da aldeia, com as crianças, para observar o que se passa. Os homens apresentam-se pintados e paramentados, com adornos plumários, braceletes, quase sempre portando as antigas armas de guerra: bordunas, arcos e flechas. Reúnem-se na “casa dos homens” à espera dos brancos, em meio à exortações proferidas ora pelos chefes, ora por homens mais velhos.
Foto Cesar Gordon
Quando chegam à aldeia os representantes da Vale do Rio Doce, os servidores da Funai ou os funcionários brancos das associações, todos os homens xikrin já se encontram na casa de reuniões. Em pouco tempo, os funcionários brancos vêem-se cercados por uma massa de índios pintados e ornamentados. A sensação de desconforto para alguns brancos é nítida. Há uma seqüência de cumprimentos, que os índios fazem questão de realizar. Depois um dos líderes inicia a reunião, conclamando os representantes da Vale do Rio Doce a colocarem se no centro da “casa dos homens” para prestar os informes necessários quando for sua vez de falar. Mas antes falam os índios. Alguns em tom moderado, outros em duros discursos contra a companhia, responsabilizada pelas carências da aldeia.
Foto Cesar Gordon
As reuniões obedecem a um ritmo ou a um roteiro razoavelmente fixo, ditado pelos Xikrin. Eles iniciam falando, a começar pelos chefes, que se pronunciam em português, mas com trechos em mebêngôkre dirigidos à audiência indígena, entre os quais se destacam várias expressões de incentivo, com função fática (djãm tãm? ≈ ‘não é isso?’; djãm kôt? ≈ ‘está certo?’), respondidas em uníssono pelos homens: Tãm! (‘isso mesmo!’), Nà! (‘sim’). Os chefes são seguidos por outros “guerreiros”, cujos discursos apresentam enorme homogeneidade, por vezes tratando-se de repetições e reiterações de trechos já ditos pelos que falaram anteriormente.
Algumas vezes, os Xikrin fazem coincidir essas reuniões de política externa com o período cerimonial. Realizados também, quase sempre, no centro da aldeia, os rituais xikrin têm, caracteristicamente, a capacidade de criar, por uma série de procedimentos, um estado emocional e afetivo partilhado por todos os co-residentes aldeãos. Esses procedimentos são de diversas ordens, mas têm como motivo uma espécie de “focalização” perceptiva, sensorial e performativa que produz uma aproximação ou identidade corporal e psíquica das pessoas: dança-se junto (em fila, de mãos dadas, ou abraçados, com os corpos juntos), canta-se em uníssono (ainda que em vários momentos haja separação entre vozes masculinas e femininas), come-se junto, relembram-se parentes mortos e histórias de antepassados comuns.
Nos períodos rituais, determinados sentimentos e afetos que são cotidianamente partilhados apenas pelo círculo mais restrito de parentes podem ser reconhecidos mais amplamente em todos os co-residentes (e eventualmente em gente de outras aldeias, já que os rituais podem congregá-las). Tais sentimentos, no contexto doméstico, constituem-se pelo processo de “fabricação corporal”, isto é, pela fabricação dos corpos (afetos e sentimentos) dos parentes como se fossem um mesmo corpo ou um corpo assemelhado pela partilha de substâncias – esse “nhi pydji” : ‘corpo único’, ‘carne única’, como dizem os Xikrin, que é característico dos parentes próximos e que já foi definido na literatura sobre os Jê do Norte como o “grupo de substância” (ver Roberto da Matta, por exemplo, O mundo dividido, 1976, p.244).
Nos períodos rituais, os corpos, afetos e sentimentos partilhados e assemelhados do ambiente familiar e doméstico parecem poder ser partilhados pela aldeia inteira. E são reconhecidos como os mesmos sentimentos e afetos corporais inerentes à esfera doméstica, constituindo, assim, a idéia de um único corpo físico e social, uma comunidade, enfim. Pode-se dizer, portanto, que os procedimentos rituais estão na base da constituição da própria comunidade em seu sentido pleno. Nesse sentido, o ritual apareceria como o ponto mais alto do processo de fabricação do parentesco e de constituição dos grupos locais xikrin e kayapó, pensados como grupos de parentes.
Foto Cesar Gordon
Portanto, não é casual que os Xikrin definam o momento da reunião com os brancos no centro da aldeia com a expressão aben pydji (‘tornar-se um’). É como se, tal como os rituais tradicionais, as reuniões políticas pudessem também criar um estado afetivo comum, um corpo comum, que se contrapõe, então, nesse momento, aos brancos ou kuben (termo da língua mebêngôkre utilizado para se referir aos brancos ou não indígenas de maneira geral). Podemos supor também que o estado de “comunidade” constituído pelo ritual facilite o entendimento e o consenso interno num momento em que é preciso atuar homogeneamente e em bloco para obter melhores resultados diante de um estrangeiro poderoso.
Quando a reunião ocorre fora da aldeia, os Xikrin preparam-se para ir à cidade de um modo totalmente diferente de quando para lá vão no dia-a-dia. Em circunstâncias corriqueiras, eles visitam a cidade vestidos com roupas de branco e gostam de se apresentar “bem-arrumados”, “civilizados”, “igual ao kuben”. Isto é, procuram apresentar a face domesticada ou pacífica (tradução do termo uabô) de sua relação com os estrangeiros. Para os importantes eventos políticos, ao contrário, os Xikrin acorrem à cidade como se estivessem partindo para uma expedição de caça ou de guerra. Assumem uma aparência àkrê, isto é, ‘bravia’, ‘feroz’, ‘selvagem’ – e apresentam-se como se fossem supostamente atacar um inimigo. O antropólogo norte-americano Tercence Turner, talvez o maior conhecedor da cultura meêngôkre kayapó, já havia chamado a atenção para o modo como os Kayapó utilizam conscientemente a imagem que deles fazem os brasileiros, e se valem dos signos de sua reputação de guerreiros ferozes para obter dividendos políticos. Turner descreveu a expedição dos Kayapó para o célebre “encontro de Altamira”, em 1989, como sendo equivalente a uma “caçada coletiva” (“Baridjumoko em Altamira”, Povos Indígenas do Brasil 1987 1990, CEDI, 1991, p.337).
A questão é interessante. Nos dias de hoje os Xikrin (e outros Kayapó) não mais se consideram eminentemente àkrê (brabos, selvagens), nem se reconhecem efetivamente como guerreiro – no sentido estrito de não fazerem mais guerras reais, já que, por outro lado, os homens continuam adesignando-se a si mesmos, simbolicamente pela palavra “guerreiros”. De qualquer modo, na performance das reuniões, é como se os Xikrin reativassem um estado belicoso, fazendo da sua própria braveza, ou dos símbolos de sua braveza, um código e uma pragmática. Digo isso porque quando perguntados sobre sua atuação agressiva nas reuniões, os índios foram explícitos em afirmar que se trata de uma estratégia de negociação, para que os brancos fiquem acuados (kam uma kadjy – ‘para que tenham medo’), e não de uma ameaça concreta de violência. Assim, paralelamente à aparência bravia, destacam a relevância de saber “falar duro” (kaben töjx, kaben katàt) com os brancos para que suas reivindicações sejam atendidas. De fato, as reuniões são eventos em que a oratória xikrin é extremamente ressaltada. Por isso é importante atualmente dominar bem o português, para que se possa impressionar os brancos com as palavras certas, direitas (kaben katàt).
Muitas vezes, porém, as negociações tornam-se tensas, os Xikrin voltam a falar, endurecendo a conversa, eventualmente ‘ameaçando’ tomar atitudes mais extremas. Fechar as estradas de acesso à Serra de Carajás, paralisando algumas das operações da Vale do Rio Doce, é uma das ameaças constantes dos Xikrin, caso a empresa descumpra os acordos previamente estabelecidos. E os Xikrin podem, de fato, invadir a Serra de Carajás e fechar a estrada ou a ferrovia, como já ocorreu, recentemente, em algumas ocasiões, com a nítida disposição de obter, por pressão, o que fora acertado e, do seu ponto de vista, descumprido. Esses momentos podem desdobrar se em eventos bastante tensos e problemáticos, nos quais os Xikrin podem tornar-se, suponho, verdadeiramente àkrê. A questão é delicada. Aliás, esse é um ponto em que os índios insistem enfaticamente, dizendo que só tomam medidas mais enérgicas quando percebem que estão sendo enganados ou “enrolados”, conforme dizem, até o limite do tolerável pelos brancos.
Domesticados e Selvagens (parte II)
Àkti: o espírito da predação
Neste ponto vale aprofundar a questão da performance ou do estado àkrê (bravo), pois tudo isso é mais complexo do que parece à primeira vista. De saída, é preciso dizer que essa atitude não diz respeito apenas a um estado afetivo. Ela está no cerne mesmo da relação dos Xikrin com os brancos e com os estrangeiros em geral. Mais do que isso, a questão possui conexões profundas com a própria idéia de agência e de sujeito na cosmologia mebêngôkre.
Os termos àkrê e uabô podem ser glosados como se segue: àkrê (variante djàkrê) ≈ bravo, valente, furioso, selvagem, feroz, perigoso, corajoso, irado, irritadiço; uabô (variante djuabô) ≈ manso, covarde, pacífico, dócil, domesticado, subjugado, suave, brando, gentil, humilde. Existe no corpus narrativo mebêngôkre um mito já bastante conhecido que poderíamos considerar como sendo o mito da origem da bravura e ao mesmo tempo da origem dos pássaros e dos adornos plumários. Ele faz parte da saga dos irmãos heróis e narra um episódio em que eles matam a Grande Ave Predadora Àkti, um animal sobrenatural mitológico que encarnava a máxima potência predatória, hoje atenuada nas grandes aves falconiformes (o nome desta Ave mítica designa também o gavião-real, Harpia harpyja).
Esse belo mito parece me exprimir uma passagem lógica fundamental no pensamento mebêngôkre. O mito parece elaborar a idéia de que os Mebêngôkre podem deixar de estar no mundo na condição de presa (uabô), isto é, de objeto da ação de outrem (Àkti), tornando-se eles mesmos predadores (àkrê) e sujeitos da ação, isto é, agentes. No mito, os índios o fazem apropriando-se dos instrumentos da ação predatória – o próprio estado àkrê (até então exclusivo de Àkti – Ave Sobrenatural) e outras armas criadas pelo tio dos heróis. E simultaneamente criam as aves naturais (àk) dos pedaços da Grande Ave morta, fazendo-as objeto de sua própria ação,. Todavia, as plumas tomadas a Àkti e, doravante, às aves em geral, permanecerão como signo ou índice da incorporação da potência agentiva da Ave-Predadora; signo da mudança do sentido da relação agente-paciente (ou sujeito-objeto), que será revivificada no ritual. Não é à toa que todos os cocares de pena são genericamente designados pela palavra meàkà, quer dizer ‘roupa de ave’ (onde me ≈ plural; àk ≈ ave, pássaro; kà ≈ pele, couro, invólucro, roupa).
São bem conhecidos a importância da emplumação ritual e o simbolismo cerimonial da transformação em ave no universo mebêngôkre. Basta lembrar que o foco do adornamento ritual é a plumária, particularmente rica e elaborada entre os mebêngôkre (além de utilização de penugem cobrindo o corpo, casca de ovos de aves, etc). O próprio sentido das cerimônias está contido na palavra para ‘festa’ e ‘dança’ – metoro – que significa também ‘vôo’ (toro ≈ voar). Os rituais mebêngôkre, portanto, são o momento de recriação dessa passagem mítica, por meio da transformação em ave.
A ave mítica Àkti, assim como o jaguar (este outro grande predador amazônico), é a expressao lógica, a fonte cósmica originária da àkrê-ez, isto é, da capacidade de predar ao invés de ser a presa, da capacidade de assumir a posição de sujeito ao invés de objeto da ação de outrem. O mito revela como os Mebêngôkre concebem todas aves existentes na natureza enquanto partes corporificadas, vestígios, de uma grande ave potência. Àkti é o epítome do próprio espírito da predação (ou a predação em espírito).
O mito estaria, assim, estabelecendo algumas condições sob as quais a ação humana (dos Mebêngôkre) pode operar. Adquirida a capacidade de assumir o ponto de vista do sujeito por meio da ação predatória sobre um outro, bem como das qualidades e instrumentos desta ação (o estado àkrê), os Mebêngôkre podem então continuar, por meio de novas ações, seu processo de aquisição de outras capacidades diferenciais, oriundas de outros seres, objetivadas em outros signos – capacidades que serão parte também do seu processo de constituição enquanto um tipo de gente específico, capaz de se reproduzir e seguir vivendo.
Outros mitos tratam do estabelecimento de outras condições não menos fundamentais de existência. Por exemplo, a narrativa da obtenção do fogo, roubado à Onça mitológica e, conseqüentemente, da origem cozinha (ver Lévi-Strauss, O cru e o cozido, 1971) fala de outro pré-requisito de distinção entre humanos e animais: doravante, parece propor o mito, após a aquisição da capacidade de cozer a carne, eliminando (ou secando) o sangue, que é o veículo da alma (karon) dos seres vivos, torna-se possível aos índios comer os animais, sem que isso implique na absorção da potência subjetiva desses últimos. Consumir o sangue ou a carne crua significa consumir a alma, ou a parte ativa do ser, sua subjetividade. Isto resultaria em uma metamorfose mortífera de quem come. O cozimento é o que permite ingerir a carne da caça sem incorporar seu espírito vital, o karon. O que equivale a dizer que o cozimento permite a dessubjetivação do animal caçado. Deixar-se penetrar pelo karon do outro resultaria numa luta, no interior do corpo, pelo ponto de vista do sujeito: um único corpo passa a ser suporte para mais de um ponto de vista. Para o consumidor de sangue ou carne crua, há o enorme risco de ser tomado pela subjetividade da presa e, conseqüentemente, de tornar-se objeto daquele ponto de vista: condenado subitamente a transformar-se de predador em presa e morrer. Esta mesma condição de presa que se expressa na condição dos Mebêngôkre subjugados pela Ave Predadora Àkti, no outro mito .
Há, por conseguinte, uma estreita correlação entre o mito de origem do fogo (que fala do roubo de uma capacidade antes restrita ao Jaguar miotlógico), e a história de Àkti: ambos tematizam idéias mebêngôkre sobre a importância de predar e não ser predado – ser o predador, e não a presa –, estabelecendo determinadas condições para viabilizar a existência; condições que são, também, técnicas e modos de operar sobre o mundo.
O estado de pura mansidão (uabô puro), por assim dizer, é o estado potencial da presa. Implica ausência total de capacidade de predação e, em última instância, de agência ou subjetividade. Se hipoteticamente atingido, tal estado é absolutamente insustentável, significando nem mais nem menos que a morte, como o mito de Àkti descreve. Para viver, é preciso ser capaz de se tornar predador e, portanto, de se tornar bravo (àkrê). Entretanto, como outros episódios da saga dos irmãos heróis parece explicitar (ver paticularmente Lux Vidal, Morte e vida de uma sociedade indígena brasileira, 1977, p.229), é preciso impor limites à qualidade àkrê e à ferocidade, pois, se descontroladas ou incontidas, também conduzem à morte, na medida em que não permitem constituir o parentesco, promovendo a destruição por autopredação generalizada.
Não ser capaz de dosar a força àkrê tem como efeito a predação constante sobre o outro e a impossibilidade de reconhecer nele um corpo comum, uma identidade, uma comunidade. Ser bravo é não ouvir (kuma ≈ ouvir, atender, entender) os parentes. Por isso, os Xikrin costumam dizer que uma pessoa muito feroz, um guerreiro tomado de fúria, por exemplo, “não escuta, é surdo” (amakre kêt ≈ literalmente ‘sem ouvido’). É como se seu corpo fosse um corpo de fera, de onça, ou como se ela já estivesse quase saindo do seu estado corpóreo: não sente dor, não sente fome, não sente medo, não desvia dos obstáculos na mata, anda sempre em frente, em linha reta, atravessando cipoal, galhos, tudo. Puro espírito da predação. Não é por outro motivo, também, que os animais-símbolo da qualidade àkrê sejam animais solitários como o gavião-real e o jaguar.
Em resumo, ambos estados, àkrê e uabô, possuem dois aspectos ou potencialidades: um positivo, produtivo e criativo; outro negativo e destrutivo. A primeira permite a posição de sujeito, de predador (e não de presa). É uma qualidade adequada para o relacionamento com a alteridade, com forças cósmicas e naturais. É a qualidade da ‘alter-objetificação’ e da ‘auto-subjetificação’. No limite, ela impede a auto-objetificação, necessária para a constituição de parentes, de corpos mutuamente reconhecíveis e identificáveis como o mesmo. Eis, portanto, a necessidade de uma força em sentido inverso, a qualidade uabô que, no limite, impede a auto-subjetificação. Esta capacidade de ser manso é adequada à criação de relações de identidade e de comunidade. É, ao contrario da primeira, a qualidade da ‘auto objetificação’ e da alter subjetificação’.
Imagem: Sergio Macedo, Xingu!, 2007
A vida mebêngôkre, portanto, depende de um equilíbrio entre esses dois estados ou qualidades. Por isso mesmo, eles não podem ser igualmente distribuídos entre as pessoas. Mulheres, no geral, devem ser mais uabô; homens, mais àkrê; chefes precisam ser àkrê, mas devem, ao mesmo tempo, exercer a generosidade, aprendendo a ouvir e ponderar; feiticeiros e xamãs também são àkrê e assim por diante. E essas características são efetivamente produzidas nas pessoas, através de uma série de procedimentos controlados de transformação afeto-corporal, a que são submetidas desde criança, e que incluem: ingestão de certos alimentos, ordálios e provas de fogo (no caso da qualidade agressiva); desenvolvimento da audição, do entendimento e do respeito/vergonha (pia’àm), enfim, de uma moralidade comunitária (no caso da qualidade domesticada ou mansa).
Neste ponto vale aprofundar a questão da performance ou do estado àkrê (bravo), pois tudo isso é mais complexo do que parece à primeira vista. De saída, é preciso dizer que essa atitude não diz respeito apenas a um estado afetivo. Ela está no cerne mesmo da relação dos Xikrin com os brancos e com os estrangeiros em geral. Mais do que isso, a questão possui conexões profundas com a própria idéia de agência e de sujeito na cosmologia mebêngôkre.
Os termos àkrê e uabô podem ser glosados como se segue: àkrê (variante djàkrê) ≈ bravo, valente, furioso, selvagem, feroz, perigoso, corajoso, irado, irritadiço; uabô (variante djuabô) ≈ manso, covarde, pacífico, dócil, domesticado, subjugado, suave, brando, gentil, humilde. Existe no corpus narrativo mebêngôkre um mito já bastante conhecido que poderíamos considerar como sendo o mito da origem da bravura e ao mesmo tempo da origem dos pássaros e dos adornos plumários. Ele faz parte da saga dos irmãos heróis e narra um episódio em que eles matam a Grande Ave Predadora Àkti, um animal sobrenatural mitológico que encarnava a máxima potência predatória, hoje atenuada nas grandes aves falconiformes (o nome desta Ave mítica designa também o gavião-real, Harpia harpyja).
Foto: acervo público via Google©
A palavra mebêngôkre àk é um termo classificatório geral para ‘ave’; mais especificamente designa também a família dos falconiformes . Àkti pode ser glosado como ‘Grande Ave’ (onde ti ≈ aumentativo, ‘grande’, ‘enorme’), epítome de todas as aves.
Antigamente os índios eram mansos, fracos e não tinham armas. Eles vivam à mercê de Àkti, o gavião gigante, que os caçava, carregava-os pelo céu até seu ninho e os devorava. Um dia uma mulher velha foi ao mato com seus dois sobrinhos pequenos para tirar palmito. Ali ela foi atacada por Àkti diante dos meninos, que fugiram aterrorizados para a aldeia. O tio dos meninos (irmão da mulher devorada pelo grande gavião), movido pelo sentimento de vingança, descobre um meio de liquidar o monstro, transformando seus sobrinhos em super-homens. Ele coloca os meninos dentro de um grotão, alimentando-os com beiju, banana e tubérculos para que cresçam bastante e fiquem fortes. Passam-se os dias e é como se os meninos fermentassem dentro d’água. Depois de um tempo, eles haviam crescido e tornado-se enormes, mais fortes e capazes que qualquer índio. Caçavam antas e outras caças grandes como se elas fossem pequenos roedores. Um dia, então, Kukry-uire e Kukry-kakô saem para caçar o Àkti, munidos de borduna, lança e um apito de taquara, armas feitas pelo tio. Ergueram um abrigo de palha no chão, de onde se via o ninho do gavião. Ao pé da árvore, havia uma pilha de restos humanos, como ossos e cabelos. Os irmãos atraíram Àkti, soprando o apito. A imensa ave descia pronta para o ataque, mas eles escondiam-se no abrigo, deixando-a desnorteada. Fizeram assim muitas vezes, deixando o pássaro cada vez mais furioso e desorientado, até que mostrou sinais de cansaço. Os irmãos, então, mataram-no com lança e borduna. Como troféu, tiraram penas de Àkti e puseram na cabeça. Cantaram. Celebraram. Depois depenaram a ave e retalharam-na em pedaços pequenos. Sopraram as penas e elas foram transformando-se em pássaro. As penas maiores deram origem as aves maiores (gavião, urubu, arara), as plumas menores deram origem aos pequenos pássaros como o beija-flor.
Esse belo mito parece me exprimir uma passagem lógica fundamental no pensamento mebêngôkre. O mito parece elaborar a idéia de que os Mebêngôkre podem deixar de estar no mundo na condição de presa (uabô), isto é, de objeto da ação de outrem (Àkti), tornando-se eles mesmos predadores (àkrê) e sujeitos da ação, isto é, agentes. No mito, os índios o fazem apropriando-se dos instrumentos da ação predatória – o próprio estado àkrê (até então exclusivo de Àkti – Ave Sobrenatural) e outras armas criadas pelo tio dos heróis. E simultaneamente criam as aves naturais (àk) dos pedaços da Grande Ave morta, fazendo-as objeto de sua própria ação,. Todavia, as plumas tomadas a Àkti e, doravante, às aves em geral, permanecerão como signo ou índice da incorporação da potência agentiva da Ave-Predadora; signo da mudança do sentido da relação agente-paciente (ou sujeito-objeto), que será revivificada no ritual. Não é à toa que todos os cocares de pena são genericamente designados pela palavra meàkà, quer dizer ‘roupa de ave’ (onde me ≈ plural; àk ≈ ave, pássaro; kà ≈ pele, couro, invólucro, roupa).
São bem conhecidos a importância da emplumação ritual e o simbolismo cerimonial da transformação em ave no universo mebêngôkre. Basta lembrar que o foco do adornamento ritual é a plumária, particularmente rica e elaborada entre os mebêngôkre (além de utilização de penugem cobrindo o corpo, casca de ovos de aves, etc). O próprio sentido das cerimônias está contido na palavra para ‘festa’ e ‘dança’ – metoro – que significa também ‘vôo’ (toro ≈ voar). Os rituais mebêngôkre, portanto, são o momento de recriação dessa passagem mítica, por meio da transformação em ave.
A ave mítica Àkti, assim como o jaguar (este outro grande predador amazônico), é a expressao lógica, a fonte cósmica originária da àkrê-ez, isto é, da capacidade de predar ao invés de ser a presa, da capacidade de assumir a posição de sujeito ao invés de objeto da ação de outrem. O mito revela como os Mebêngôkre concebem todas aves existentes na natureza enquanto partes corporificadas, vestígios, de uma grande ave potência. Àkti é o epítome do próprio espírito da predação (ou a predação em espírito).
Foto: acervo público via Google©
Numa etimologia especulativa, talvez se pudesse aventar alguma derivação entre as palavras àk (‘ave’) e àkrê (‘bravo’). Na língua mebêngôkre xiste um verbo rê ou rêrê, significando ‘tirar’, ‘arrancar’, por exemplo: no’ô rê ≈ ‘arrancar pestana (no ≈ olho, ’ô ≈ pêlo). Mas o verbo (ou outro, homônimo) também pode ter o significado de ‘irritar-se, discutir, brigar’, donde, provavelmente, kurê ≈ ‘odiar, detestar’, kurê djwöj ≈ ‘inimigo’, ‘aquele que é odiado/odeia’. Daí, quem sabe àkrê tenha tido o sentido de ‘brigar com ave, odiar ave, ter ave por inimigo’, ou mesmo ‘extrair ave’, imbuir-se de um certo ‘estado-ave’.
O mito estaria, assim, estabelecendo algumas condições sob as quais a ação humana (dos Mebêngôkre) pode operar. Adquirida a capacidade de assumir o ponto de vista do sujeito por meio da ação predatória sobre um outro, bem como das qualidades e instrumentos desta ação (o estado àkrê), os Mebêngôkre podem então continuar, por meio de novas ações, seu processo de aquisição de outras capacidades diferenciais, oriundas de outros seres, objetivadas em outros signos – capacidades que serão parte também do seu processo de constituição enquanto um tipo de gente específico, capaz de se reproduzir e seguir vivendo.
Outros mitos tratam do estabelecimento de outras condições não menos fundamentais de existência. Por exemplo, a narrativa da obtenção do fogo, roubado à Onça mitológica e, conseqüentemente, da origem cozinha (ver Lévi-Strauss, O cru e o cozido, 1971) fala de outro pré-requisito de distinção entre humanos e animais: doravante, parece propor o mito, após a aquisição da capacidade de cozer a carne, eliminando (ou secando) o sangue, que é o veículo da alma (karon) dos seres vivos, torna-se possível aos índios comer os animais, sem que isso implique na absorção da potência subjetiva desses últimos. Consumir o sangue ou a carne crua significa consumir a alma, ou a parte ativa do ser, sua subjetividade. Isto resultaria em uma metamorfose mortífera de quem come. O cozimento é o que permite ingerir a carne da caça sem incorporar seu espírito vital, o karon. O que equivale a dizer que o cozimento permite a dessubjetivação do animal caçado. Deixar-se penetrar pelo karon do outro resultaria numa luta, no interior do corpo, pelo ponto de vista do sujeito: um único corpo passa a ser suporte para mais de um ponto de vista. Para o consumidor de sangue ou carne crua, há o enorme risco de ser tomado pela subjetividade da presa e, conseqüentemente, de tornar-se objeto daquele ponto de vista: condenado subitamente a transformar-se de predador em presa e morrer. Esta mesma condição de presa que se expressa na condição dos Mebêngôkre subjugados pela Ave Predadora Àkti, no outro mito .
Há, por conseguinte, uma estreita correlação entre o mito de origem do fogo (que fala do roubo de uma capacidade antes restrita ao Jaguar miotlógico), e a história de Àkti: ambos tematizam idéias mebêngôkre sobre a importância de predar e não ser predado – ser o predador, e não a presa –, estabelecendo determinadas condições para viabilizar a existência; condições que são, também, técnicas e modos de operar sobre o mundo.
O estado de pura mansidão (uabô puro), por assim dizer, é o estado potencial da presa. Implica ausência total de capacidade de predação e, em última instância, de agência ou subjetividade. Se hipoteticamente atingido, tal estado é absolutamente insustentável, significando nem mais nem menos que a morte, como o mito de Àkti descreve. Para viver, é preciso ser capaz de se tornar predador e, portanto, de se tornar bravo (àkrê). Entretanto, como outros episódios da saga dos irmãos heróis parece explicitar (ver paticularmente Lux Vidal, Morte e vida de uma sociedade indígena brasileira, 1977, p.229), é preciso impor limites à qualidade àkrê e à ferocidade, pois, se descontroladas ou incontidas, também conduzem à morte, na medida em que não permitem constituir o parentesco, promovendo a destruição por autopredação generalizada.
Não ser capaz de dosar a força àkrê tem como efeito a predação constante sobre o outro e a impossibilidade de reconhecer nele um corpo comum, uma identidade, uma comunidade. Ser bravo é não ouvir (kuma ≈ ouvir, atender, entender) os parentes. Por isso, os Xikrin costumam dizer que uma pessoa muito feroz, um guerreiro tomado de fúria, por exemplo, “não escuta, é surdo” (amakre kêt ≈ literalmente ‘sem ouvido’). É como se seu corpo fosse um corpo de fera, de onça, ou como se ela já estivesse quase saindo do seu estado corpóreo: não sente dor, não sente fome, não sente medo, não desvia dos obstáculos na mata, anda sempre em frente, em linha reta, atravessando cipoal, galhos, tudo. Puro espírito da predação. Não é por outro motivo, também, que os animais-símbolo da qualidade àkrê sejam animais solitários como o gavião-real e o jaguar.
Em resumo, ambos estados, àkrê e uabô, possuem dois aspectos ou potencialidades: um positivo, produtivo e criativo; outro negativo e destrutivo. A primeira permite a posição de sujeito, de predador (e não de presa). É uma qualidade adequada para o relacionamento com a alteridade, com forças cósmicas e naturais. É a qualidade da ‘alter-objetificação’ e da ‘auto-subjetificação’. No limite, ela impede a auto-objetificação, necessária para a constituição de parentes, de corpos mutuamente reconhecíveis e identificáveis como o mesmo. Eis, portanto, a necessidade de uma força em sentido inverso, a qualidade uabô que, no limite, impede a auto-subjetificação. Esta capacidade de ser manso é adequada à criação de relações de identidade e de comunidade. É, ao contrario da primeira, a qualidade da ‘auto objetificação’ e da alter subjetificação’.
Imagem: Sergio Macedo, Xingu!, 2007
A vida mebêngôkre, portanto, depende de um equilíbrio entre esses dois estados ou qualidades. Por isso mesmo, eles não podem ser igualmente distribuídos entre as pessoas. Mulheres, no geral, devem ser mais uabô; homens, mais àkrê; chefes precisam ser àkrê, mas devem, ao mesmo tempo, exercer a generosidade, aprendendo a ouvir e ponderar; feiticeiros e xamãs também são àkrê e assim por diante. E essas características são efetivamente produzidas nas pessoas, através de uma série de procedimentos controlados de transformação afeto-corporal, a que são submetidas desde criança, e que incluem: ingestão de certos alimentos, ordálios e provas de fogo (no caso da qualidade agressiva); desenvolvimento da audição, do entendimento e do respeito/vergonha (pia’àm), enfim, de uma moralidade comunitária (no caso da qualidade domesticada ou mansa).
Domesticados e Selvagens (parte III)
Os dois vetores da relação
Voltemos às reuniões com os brancos e às relações dos Xikrin com a Vale do Rio Doce. Considerando o que discutimos acima, a manifestação da qualidade àkrê que se desvela em momentos de confronto político – expressa na modificação corporal, no uso das pinturas e armas, na fala “dura”, no tom ameaçador – é muito mais que uma simples performance ou um simples teatro, compreendidos como “mentira”, ou representação falseada ou fingida do que se passa. Ao contrário, sugiro que tais eventos, em que os Xikrin apresentam-se em seu aspecto àkrê, são momentos em que as coisas aparecem como elas devem ser, do ponto de vista Xikrin. Isto é, onde se ressaltam mais claramente as posições "nós / outros", "mebêngôkre / kuben" ou "índios / brancos". Essa relação se constitui, de certa maneira, pelo sentido da ação: um é o agente ou sujeito da ação; o outro, seu objeto.
Evidentemente, as reuniões e os eventos políticos com os brancos são momentos em que a relação dos Xikrin com eles se desloca para um determinado plano em que devem ser descontadas ou desconsideradas as sutilezas e multiplicidades da interação ordinária. É certo que nem todos os brancos são iguais – há brancos antropólogos, missionários, agentes de Funai, funcionários do Posto, da Vale do Rio Doce, madeireiros, enfim, de todos os tipos. Igualmente, nem todos os Mebêngôkre o são da mesma forma (podendo ser mais ou menos parentes, mais ou menos amigos, ligados por afinidade ou por relações putativas e de compadrio). Além disso, do ponto de vista Xikrin, é sempre possível, dadas certas condições, transformar um tipo de gente em outra. O casamento e a convivência prolongada é o instrumento básico de transformar kuben em mebêngôkre. Porém, nos contextos de confronto político, algo se passa de maneira a colocar em segundo plano o fato de que, no dia a dia, os Xikrin estabelecem relações verdadeiramente amistosas e cordiais – vale dizer, “domésticas” – com muitos brancos.
Foto Cesar Gordon
O estado uabô, assumido pelos Xikrin em sua relação com os brancos após o processo de pacificação empreendido pelo Estado brasileiro resultou, da parte dos Xikrin, na cessação de uma disposição geral para a guerra. Isso implicava, entre outras coisas, tratar o branco como amigo (ombikwá, que é a mesma palavra para parente). Num certo sentido, é exatamente isto: tratava-se de considerar o branco como um parente. Com o fim das guerras e a incorporação à “comunhão nacional”, não só os brancos passaram a ser considerados amigos ou parentes, mas também os outros índios de outras etnias. Eis uma frase dita por um chefe Xikrin a esse respeito:
Ressalvando o caráter oficial e diplomático do trecho, ele expressa todavia uma expressão concreta e verdadeira da avaliação que os Xikrin fazem de sua história recente. Com a pacificação e a integração ao Estado, houve um alargamento, politicamente estratégico e socialmente necessário, do universo dos parentes e de uma concepção do humano mebêngôkre a círculos muito amplos, tais como os índios brasileiros, todos os brasileiros, e todos os kuben. Por isso, em sua análise das mudanças culturais kayapó, Terence Turner é levado a dizer que na “nova visão de mundo kayapó, os brasileiros foram admitidos enquanto seres plenamente humanos e sociais” (“De cosmologia a história: resistência adaptação e consciência social entre os Kayapó”, in: Amazônia: etnologia e história indígena, 1993, p.58). Ele descreveu corretamente uma face do fenômeno. Porém, há uma outra face, complementar à primeira, que parece poder se expressar na seguinte pergunta: até onde é possível continuar sendo Mebêngôkre, pensados como uma gente diferente de outras gentes (do tipo de gente representado pelos brancos, por exemplo), se todos forem indiscriminadamente e igualmente gente?
Porém, de fato, foi assim – pacificamente – que, desde um momento recente da história, os Xikrin (e os outros Kayapó-Mebêngôkre) aceitaram estabelecer um novo padrão de relacionamento com os brancos. E assim eles o vêm fazendo. De sorte que, evidentemente, o estado pacífico não é, por sua vez, uma outra performance ou dissimulação, a encobrir a verdadeira natureza selvagem dos índios. Em certo sentido até, é bem verdade que os Xikrin, hoje, consideram-se mais uabô e menos àkrê do que foram um dia. Mas é porque, justamente, esse é um processo infinito e de mão dupla, que lhes ocorre desde o princípio dos tempos. Sua história e sua existência pode ser vista, a partir do momento em que puderam tornar se àkrê, como um contínuo deixar de ser àkrê, não deixando nunca de o ser; e um contínuo deixar de ser uabô, nunca deixando de o ser.
Não custa recordar um dos modos recorrentes com que os Xikrin referem-se aos tempos idos (amrêbê): seus antepassados “comiam cru, pois não possuíam o fogo” (como hoje faz o jaguar de quem subtraíram o fogo), “comiam pau podre, pois não possuíam roças de batata”, “dormiam como porcos do mato, porque não tinham redes”, “matavam por qualquer coisa, à toa (kubin kajgó)”, e por aí vai. Nos dias atuais, a utilização cotidiana das vestimentas dos brancos, suas roupas ou sua “pele” (kuben kà, palavra mebêngôkre para roupa, significa literalmente ‘pele/couro/invólucro’ de kuben), aparece como sinal desse estado pacífico, e dessa relação de amizade – desse certo grau de aparentamento com os brancos. No entanto, apesar disso, tal aparentamento parece encontrar limites claros e é mesmo negado em certas circunstâncias. De um ponto de vista geral, os Xikrin manifestam repúdio em transformar-se em branco, a menos que essa transformação seja ritual. Eles não manifestam qualquer desejo de transformar os brancos em afins verdadeiros e parentes através do casamento e da cohabitação. Ao contrário, afirmam que o casamento com brancos é moralmente ruim (punure, mejx kêt).
Portanto, o aparentamento amplo que resultou da pacificação precisa ser de algum modo negado, se os Xikrin – como parece ser o caso – acham-se dispostos a continuar ‘sendo/estando Xikrin’, ou seja, para prosseguir com o objetivo de produzir pessoas mebêngôkre, diferenciando-se dos brancos e do kuben em geral. Logo, mais uma vez, percebe-se a importância de manter sempre um quociente àkrê na relação. Com efeito, em algum momento, é preciso recolocar o branco em sua posição de não-parente, em sua posição de estrangeiro. E o modo de fazer isso é manifestando-se contra ele por meio da ação predatória. Ou seja, é preciso colocar-se na posição de sujeito, de um modo àkrê, para que ressalte no branco a diferença, a alteridade.
Resta dizer que esse duplo modo de relação (uabô/akrê) não é absolutamente novo aos Xikrin. Ao longo da sua história, como vimos, seus antepassados, ainda que considerados retrospectivamente pelos próprios Xikrin como eminentemente àkrê (ou mais àkrê do que são hoje), sempre foram capazes de estabelecer relações amistosas e de troca pacífica com estrangeiros indígenas ou brancos. Assim ocorreu, por exemplo, em suas relações com os índios Karajá e com seringueiros e castanheiros, no século XX. Porém, essas parcerias eram intrinsecamente instáveis e podiam ser desfeitas a qualquer momento, desembocando em guerra. Era muito comum que o padrão de trocas pacíficas fosse interrompido por um súbito ato predatório cometido pelos Xikrin.
Assim, é possível entender por que relações pacíficas, mais ou menos duradouras, não são garantia contra ação predatória ou contra a irrupção da agressividade e dos valores àkrê, que ocorrem seja na guerra, seja na paz. Embora, de maneira geral, os Xikrin digam-se atualmente uabô (ou mais uabô do que já foram outrora), eles continuam tornando-se àkrê em certas relações, mesmo que isso não se manifeste necessariamente em combates armados ou violência real, mas sim, predominantemente, em situações políticas, como são as reuniões com a Vale do Rio Doce. Tornar-se àkrê implica recolocar os brancos na posição de estranho, de externo, de outro; e isso se faz por meio da ação predatória.
Hoje, no contexto das reuniões, os Xikrin e os Kayapó valem-se primordialmente de uma predação simbólica: daí toda a mise en scène coletiva dos “guerreiros”, que envolve a pintura corporal, os adornos plumários, as armas tradicionais e a fala dura.
Saber se as ameaças de violência xikrin podem ou não se concretizar, parece-me uma questão secundária do ponto de vista a análise antropológica. O mesmo não se pode dizer no que diz respeito às relações institucionais com a Vale do Rio Doce e o com o Estado brasileiro. A questão é delicada. Embora não seja esta a intenção dos Xikrin, a violência pode, com efeito, concretizar-se, nunca se sabe. Eventualmente, a predação simbólica e política pode se converter em predação real, pois os limites entre elas são tênues – não apenas para os índios, aliás, como para qualquer ser humano. Até hoje, as ameaças de ação concreta dos Xikrin limitaram-se a invasões à Serra de Carajás e ao bloqueio de estradas da companhia. Muito mais raramente tomam funcionários da Vale como reféns e podem até saquear o comércio do núcleo de Carajás.
Esse tipo de atitude é incomum, mas ocasionalmente ocorre, contra a Vale e contra outros brancos da vizinhança. Apesar de, no geral, relacionarem-se de maneira perfeitamente pacífica nas cidades, pode acontecer de grupos de jovens Xikrin resolverem cometer algum abuso sobre pequenos estabelecimentos comerciais da região, consumindo produtos em grandes quantidades e deixando a dívida “pendurada”, que o comerciante, constrangido, é obrigado a aceitar. A prática repudiada pelos mais velhos e pelas lideranças, mas a dívida às vezes não é paga. O dono do estabelecimento, então, vai bater às portas da FUNAI e das associações xikrin, para reclamar e cobrar a dívida. Muitas vezes, esses são potencialmente os momentos de contrapredação dos brancos, pois vários comerciantes bem podem aparecer com dívidas inexistentes, notas e faturas falsificadas e superfaturadas, que as associações acabam absorvendo, renovando o ciclo, já que os Xikrin, no fim das contas, irão cobrar da Vale do Rio Doce, convocando novas reuniões.
Tais acontecimentos (em que a predação torna-se real, por assim dizer) são raros, como disse – e os Xikrin querem manter, e sabem que precisam manter, suas relações de amizade com os brancos. Todavia, independentemente de sua agressividade manifestar-se ou não em atos concretos de guerra, os Xikrin precisam continuar tornando-se àkrê pois essa é a forma da relação com o kuben. Em última instância, eles precisam continuar virando àkrê se desejam permanecer um tipo de gente específico, diferente dos brancos. E a Vale do Rio Doce (mas não só ela), pelo menos em determinados momentos de sua relação política com os índios, ocupa a posição do kuben a ser simbolicamente predado.
Foto: acervo público via Google©
Voltemos às reuniões com os brancos e às relações dos Xikrin com a Vale do Rio Doce. Considerando o que discutimos acima, a manifestação da qualidade àkrê que se desvela em momentos de confronto político – expressa na modificação corporal, no uso das pinturas e armas, na fala “dura”, no tom ameaçador – é muito mais que uma simples performance ou um simples teatro, compreendidos como “mentira”, ou representação falseada ou fingida do que se passa. Ao contrário, sugiro que tais eventos, em que os Xikrin apresentam-se em seu aspecto àkrê, são momentos em que as coisas aparecem como elas devem ser, do ponto de vista Xikrin. Isto é, onde se ressaltam mais claramente as posições "nós / outros", "mebêngôkre / kuben" ou "índios / brancos". Essa relação se constitui, de certa maneira, pelo sentido da ação: um é o agente ou sujeito da ação; o outro, seu objeto.
Evidentemente, as reuniões e os eventos políticos com os brancos são momentos em que a relação dos Xikrin com eles se desloca para um determinado plano em que devem ser descontadas ou desconsideradas as sutilezas e multiplicidades da interação ordinária. É certo que nem todos os brancos são iguais – há brancos antropólogos, missionários, agentes de Funai, funcionários do Posto, da Vale do Rio Doce, madeireiros, enfim, de todos os tipos. Igualmente, nem todos os Mebêngôkre o são da mesma forma (podendo ser mais ou menos parentes, mais ou menos amigos, ligados por afinidade ou por relações putativas e de compadrio). Além disso, do ponto de vista Xikrin, é sempre possível, dadas certas condições, transformar um tipo de gente em outra. O casamento e a convivência prolongada é o instrumento básico de transformar kuben em mebêngôkre. Porém, nos contextos de confronto político, algo se passa de maneira a colocar em segundo plano o fato de que, no dia a dia, os Xikrin estabelecem relações verdadeiramente amistosas e cordiais – vale dizer, “domésticas” – com muitos brancos.
Foto Cesar Gordon
O estado uabô, assumido pelos Xikrin em sua relação com os brancos após o processo de pacificação empreendido pelo Estado brasileiro resultou, da parte dos Xikrin, na cessação de uma disposição geral para a guerra. Isso implicava, entre outras coisas, tratar o branco como amigo (ombikwá, que é a mesma palavra para parente). Num certo sentido, é exatamente isto: tratava-se de considerar o branco como um parente. Com o fim das guerras e a incorporação à “comunhão nacional”, não só os brancos passaram a ser considerados amigos ou parentes, mas também os outros índios de outras etnias. Eis uma frase dita por um chefe Xikrin a esse respeito:
A gente não deve brigar [fazer guerra, matar] com outros índios, pois somos todos parentes. Antigamente nossos avós não sabiam que estavam matando parente, mas hoje a gente sabe. E também não devemos matar kuben, pois somos todos gente.
Ressalvando o caráter oficial e diplomático do trecho, ele expressa todavia uma expressão concreta e verdadeira da avaliação que os Xikrin fazem de sua história recente. Com a pacificação e a integração ao Estado, houve um alargamento, politicamente estratégico e socialmente necessário, do universo dos parentes e de uma concepção do humano mebêngôkre a círculos muito amplos, tais como os índios brasileiros, todos os brasileiros, e todos os kuben. Por isso, em sua análise das mudanças culturais kayapó, Terence Turner é levado a dizer que na “nova visão de mundo kayapó, os brasileiros foram admitidos enquanto seres plenamente humanos e sociais” (“De cosmologia a história: resistência adaptação e consciência social entre os Kayapó”, in: Amazônia: etnologia e história indígena, 1993, p.58). Ele descreveu corretamente uma face do fenômeno. Porém, há uma outra face, complementar à primeira, que parece poder se expressar na seguinte pergunta: até onde é possível continuar sendo Mebêngôkre, pensados como uma gente diferente de outras gentes (do tipo de gente representado pelos brancos, por exemplo), se todos forem indiscriminadamente e igualmente gente?
Porém, de fato, foi assim – pacificamente – que, desde um momento recente da história, os Xikrin (e os outros Kayapó-Mebêngôkre) aceitaram estabelecer um novo padrão de relacionamento com os brancos. E assim eles o vêm fazendo. De sorte que, evidentemente, o estado pacífico não é, por sua vez, uma outra performance ou dissimulação, a encobrir a verdadeira natureza selvagem dos índios. Em certo sentido até, é bem verdade que os Xikrin, hoje, consideram-se mais uabô e menos àkrê do que foram um dia. Mas é porque, justamente, esse é um processo infinito e de mão dupla, que lhes ocorre desde o princípio dos tempos. Sua história e sua existência pode ser vista, a partir do momento em que puderam tornar se àkrê, como um contínuo deixar de ser àkrê, não deixando nunca de o ser; e um contínuo deixar de ser uabô, nunca deixando de o ser.
Foto: Cesar Gordon
Não custa recordar um dos modos recorrentes com que os Xikrin referem-se aos tempos idos (amrêbê): seus antepassados “comiam cru, pois não possuíam o fogo” (como hoje faz o jaguar de quem subtraíram o fogo), “comiam pau podre, pois não possuíam roças de batata”, “dormiam como porcos do mato, porque não tinham redes”, “matavam por qualquer coisa, à toa (kubin kajgó)”, e por aí vai. Nos dias atuais, a utilização cotidiana das vestimentas dos brancos, suas roupas ou sua “pele” (kuben kà, palavra mebêngôkre para roupa, significa literalmente ‘pele/couro/invólucro’ de kuben), aparece como sinal desse estado pacífico, e dessa relação de amizade – desse certo grau de aparentamento com os brancos. No entanto, apesar disso, tal aparentamento parece encontrar limites claros e é mesmo negado em certas circunstâncias. De um ponto de vista geral, os Xikrin manifestam repúdio em transformar-se em branco, a menos que essa transformação seja ritual. Eles não manifestam qualquer desejo de transformar os brancos em afins verdadeiros e parentes através do casamento e da cohabitação. Ao contrário, afirmam que o casamento com brancos é moralmente ruim (punure, mejx kêt).
Portanto, o aparentamento amplo que resultou da pacificação precisa ser de algum modo negado, se os Xikrin – como parece ser o caso – acham-se dispostos a continuar ‘sendo/estando Xikrin’, ou seja, para prosseguir com o objetivo de produzir pessoas mebêngôkre, diferenciando-se dos brancos e do kuben em geral. Logo, mais uma vez, percebe-se a importância de manter sempre um quociente àkrê na relação. Com efeito, em algum momento, é preciso recolocar o branco em sua posição de não-parente, em sua posição de estrangeiro. E o modo de fazer isso é manifestando-se contra ele por meio da ação predatória. Ou seja, é preciso colocar-se na posição de sujeito, de um modo àkrê, para que ressalte no branco a diferença, a alteridade.
Resta dizer que esse duplo modo de relação (uabô/akrê) não é absolutamente novo aos Xikrin. Ao longo da sua história, como vimos, seus antepassados, ainda que considerados retrospectivamente pelos próprios Xikrin como eminentemente àkrê (ou mais àkrê do que são hoje), sempre foram capazes de estabelecer relações amistosas e de troca pacífica com estrangeiros indígenas ou brancos. Assim ocorreu, por exemplo, em suas relações com os índios Karajá e com seringueiros e castanheiros, no século XX. Porém, essas parcerias eram intrinsecamente instáveis e podiam ser desfeitas a qualquer momento, desembocando em guerra. Era muito comum que o padrão de trocas pacíficas fosse interrompido por um súbito ato predatório cometido pelos Xikrin.
Assim, é possível entender por que relações pacíficas, mais ou menos duradouras, não são garantia contra ação predatória ou contra a irrupção da agressividade e dos valores àkrê, que ocorrem seja na guerra, seja na paz. Embora, de maneira geral, os Xikrin digam-se atualmente uabô (ou mais uabô do que já foram outrora), eles continuam tornando-se àkrê em certas relações, mesmo que isso não se manifeste necessariamente em combates armados ou violência real, mas sim, predominantemente, em situações políticas, como são as reuniões com a Vale do Rio Doce. Tornar-se àkrê implica recolocar os brancos na posição de estranho, de externo, de outro; e isso se faz por meio da ação predatória.
Hoje, no contexto das reuniões, os Xikrin e os Kayapó valem-se primordialmente de uma predação simbólica: daí toda a mise en scène coletiva dos “guerreiros”, que envolve a pintura corporal, os adornos plumários, as armas tradicionais e a fala dura.
Saber se as ameaças de violência xikrin podem ou não se concretizar, parece-me uma questão secundária do ponto de vista a análise antropológica. O mesmo não se pode dizer no que diz respeito às relações institucionais com a Vale do Rio Doce e o com o Estado brasileiro. A questão é delicada. Embora não seja esta a intenção dos Xikrin, a violência pode, com efeito, concretizar-se, nunca se sabe. Eventualmente, a predação simbólica e política pode se converter em predação real, pois os limites entre elas são tênues – não apenas para os índios, aliás, como para qualquer ser humano. Até hoje, as ameaças de ação concreta dos Xikrin limitaram-se a invasões à Serra de Carajás e ao bloqueio de estradas da companhia. Muito mais raramente tomam funcionários da Vale como reféns e podem até saquear o comércio do núcleo de Carajás.
Esse tipo de atitude é incomum, mas ocasionalmente ocorre, contra a Vale e contra outros brancos da vizinhança. Apesar de, no geral, relacionarem-se de maneira perfeitamente pacífica nas cidades, pode acontecer de grupos de jovens Xikrin resolverem cometer algum abuso sobre pequenos estabelecimentos comerciais da região, consumindo produtos em grandes quantidades e deixando a dívida “pendurada”, que o comerciante, constrangido, é obrigado a aceitar. A prática repudiada pelos mais velhos e pelas lideranças, mas a dívida às vezes não é paga. O dono do estabelecimento, então, vai bater às portas da FUNAI e das associações xikrin, para reclamar e cobrar a dívida. Muitas vezes, esses são potencialmente os momentos de contrapredação dos brancos, pois vários comerciantes bem podem aparecer com dívidas inexistentes, notas e faturas falsificadas e superfaturadas, que as associações acabam absorvendo, renovando o ciclo, já que os Xikrin, no fim das contas, irão cobrar da Vale do Rio Doce, convocando novas reuniões.
Tais acontecimentos (em que a predação torna-se real, por assim dizer) são raros, como disse – e os Xikrin querem manter, e sabem que precisam manter, suas relações de amizade com os brancos. Todavia, independentemente de sua agressividade manifestar-se ou não em atos concretos de guerra, os Xikrin precisam continuar tornando-se àkrê pois essa é a forma da relação com o kuben. Em última instância, eles precisam continuar virando àkrê se desejam permanecer um tipo de gente específico, diferente dos brancos. E a Vale do Rio Doce (mas não só ela), pelo menos em determinados momentos de sua relação política com os índios, ocupa a posição do kuben a ser simbolicamente predado.
Foto: acervo público via Google©
quinta-feira, 22 de maio de 2008
Os limites da brabeza
Conhecendo um pouco os Kayapó, penso que o ocorrido foi muito provavelmente um acidente. Tenho para mim que o intuito dos índios não era realmente ferir (e muito menos matar) o engenheiro da Eletrobrás, e sim encenar um ataque, talvez com a idéia de reavivar o gesto simbólico da índia Tuíra, realizado em circunstâncias parecidas, no célebre encontro de Altamira em 1989.
Percebe-se pelas imagens da TV Globo que os índios efetivamente não deram qualquer golpe de facão, apenas simularam-no, enquanto puxavam pela camisa e empurravam o engenheiro. Mas as encenações de violência nem sempre são inteiramente controladas. E nesse caso foi além da conta. Em primeiro lugar porque foram gestos totalmente desproporcionais em relação ao gesto original de Tuíra. E sobretudo porque, na confusão, um terçado acabou triscando o braço do representante da Eletronbrás, ferindo-o. O resultado poderia ter sido mais grave. Felizmente não foi.
De qualquer maneira, não se justifica. Com isso, os Kayapó não ganham nada. Na base da força, hoje, eles acabam tornando-se mais fracos. Não é uma alternativa responsável, além de ser totalmente contraproducente. Creio que esse tipo de acontecimento não conta com a aprovação da maioria dos Mebêngokré.
Porém, nunca é demais lembrar que tudo teria sido evitado se os organizadores do encontro não tivessem deixado os índios entrar armados no recinto.
(Foto Paulo Jares / Video Foto. In: Povos Indígenas do Brasil 1987-90, CEDI, 1991)
Percebe-se pelas imagens da TV Globo que os índios efetivamente não deram qualquer golpe de facão, apenas simularam-no, enquanto puxavam pela camisa e empurravam o engenheiro. Mas as encenações de violência nem sempre são inteiramente controladas. E nesse caso foi além da conta. Em primeiro lugar porque foram gestos totalmente desproporcionais em relação ao gesto original de Tuíra. E sobretudo porque, na confusão, um terçado acabou triscando o braço do representante da Eletronbrás, ferindo-o. O resultado poderia ter sido mais grave. Felizmente não foi.
De qualquer maneira, não se justifica. Com isso, os Kayapó não ganham nada. Na base da força, hoje, eles acabam tornando-se mais fracos. Não é uma alternativa responsável, além de ser totalmente contraproducente. Creio que esse tipo de acontecimento não conta com a aprovação da maioria dos Mebêngokré.
Porém, nunca é demais lembrar que tudo teria sido evitado se os organizadores do encontro não tivessem deixado os índios entrar armados no recinto.
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Mebêngôkre kam akrê
Os Kayapós ficam brabos.
Àkrê/djàkrê ≈ brabo, furioso, valente, selvagem, feroz, perigoso, corajoso, irado, irritadiço.
Uabô/djuabô ≈ manso, covarde, fraco, pacífico, dócil, domesticado, subjugado, gentil, humilde.
A origem da bravura
Antigamente os índios eram mansos (uabô), fracos e não tinham armas. Eles vivam à mercê de Àkti, o gavião gigante, que os caçava, carregava-os pelo céu até seu ninho e os devorava. Um dia uma mulher velha foi ao mato com seus dois sobrinhos pequenos para tirar palmito. Ali ela foi atacada por Àkti diante dos meninos, que fugiram aterrorizados para a aldeia. O tio dos meninos (irmão da mulher devorada pelo grande gavião), movido pelo sentimento de vingança, descobre um meio de liquidar o monstro, transformando seus sobrinhos em super-homens. Ele coloca os meninos dentro de um grotão, alimentando-os com beiju, banana e tubérculos para que cresçam bastante e fiquem fortes. Passam-se os dias e é como se os meninos fermentassem dentro d’água. Depois de um tempo, eles haviam crescido e tornado-se enormes, mais fortes e capazes que qualquer índio. Ficaram valentes (àkrê). Caçavam antas e outras caças grandes como se elas fossem pequenos roedores.
Um dia, então, Kukry-uire e Kukry-kakô saem para caçar o Àkti, munidos de borduna, lança e um apito de taquara, armas feitas pelo tio. Ergueram um abrigo de palha no chão, de onde se via o ninho do gavião. Ao pé da árvore, havia uma pilha de restos humanos, como ossos e cabelos. Os irmãos atraíram Àkti, soprando o apito. A imensa ave descia pronta para o ataque, mas eles escondiam-se no abrigo, deixando-a desnorteada. Fizeram assim muitas vezes, deixando o pássaro cada vez mais furioso e desorientado, até que mostrou sinais de cansaço. Os irmãos, então, mataram-no com lança e borduna. Como troféu, tiraram penas de Àkti e puseram na cabeça. Cantaram. Celebraram. Depois depenaram a ave e retalharam-na em pedaços pequenos. Sopraram as penas e elas foram transformando-se em pássaro. As penas maiores deram origem as aves maiores (gavião, urubu, arara), as plumas menores deram origem aos pequenos pássaros como o beija-flor.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
120 anos de luta pela igualdade racial
Clicando-se no link abaixo pode-se ler o Manifesto em Defesa da Justiça e da Constitucionalidade das Cotas, entregue ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, aos 13 de maio de 2008. Com 740 assinaturas, o manifesto foi organizado e escrito por Alexandre do Nascimento, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes, Carlos Alberto Medeiros, Carlos Henrique Romão de Siqueira, Frei David Raimundo dos Santos, João Jorge Rodrigues, José Jorge Carvalho, Marcelo Tragtenberg, Renato Ferreira e Valter Roberto Silvério.
Leia aqui.
quinta-feira, 1 de maio de 2008
113 contra as cotas
Abaixo pode-se ler a íntegra do documento entregue por um grupo de cidadãos ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, aos 30 de abril de 2008, intitulado Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais.
Assinam:
Adel Daher – Diretor do Sindicato dos Ferroviários de Bauru e MS
Adelaide Jóia – Socióloga e Mestre em Educação Infantil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Adriana Atila – Doutora em Antropologia Cultural, IFCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Aguinaldo Silva – Jornalista, telenovelista
Alba Zaluar – Titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), colunista da Folha de S. Paulo
Almir Lima da Silva – Jornalista, Centro de Cultura Negra de Macaé-RJ
Alzira Alves de Abreu – Pesquisadora do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
Amâncio Paulino de Carvalho – Professor da Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Ana Maria Machado – Escritora, membro da Academia Brasileira de Letras
Ana Teresa A. Venancio – Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Ângela Porto – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Antonio Cicero – Poeta e ensaísta
Antonio Risério – Antropólogo
Arlindo Belo da Silva – Conselheiro Fiscal da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Químico (CNQ–CUT)
Bernardo Lewgoy – Professor Adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Bernardo Sorj – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bernardo Vilhena – Poeta
Bila Sorj – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bolivar Lamounier – Cientista Político
Caetano Veloso - cantor e compositor
Carlos A. de L. Costa Ribeiro – Professor e Consultor em Ciências do Meio Ambiente
Carlos Pio – Professor da Universidade de Brasília (UNB)
Carlos José Serapião – Professor Titular aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor Titular da Universidade da Região de Joinville–SC
Celso Castro – Antropólogo, professor do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
César Benjamin – Editor
Charles Pires – Diretor do Sindicato dos Funcionários Publicos Municipais de Florianópolis e membro da Executiva da CUT-SC
Cremilda Medina – Jornalista e professora Titular da Universidade de São Paulo (USP)
Cynthia Maria Pinto da Luz – Advogada, Conselheira Nacional do Movimento Nacional em Defesa dos Direitos Humanos
Claudia Travassos – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Darcy Fontoura de Almeida – Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Demétrio Magnoli – Sociólogo, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Diomédes Matias da Silva Filho – Diretor do Sindicato dos Professores do Estado de Pernambuco
Domingos Guimaraens – Poeta e artista plástico
Edmar Lisboa Bacha – Economista
Eduardo Giannetti – Economista
Eduardo Pizarro Carnelós – Advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça
Elizabeth Balbachevsky – Professora Associada do Departamento de Ciência Política e pesquisadora sênior do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
Esteffane Emanuelle Ferreira – Estudante, Coordenação do DCE da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Eunice Durham – Professora Emérita da FFLCH da Universidade de São Paulo (USP)
Fernando Gomes Martins – Associação de Moradores do Parque Bandeirantes e Movimento Hip Hop Sumaré-SP
Ferreira Gullar – Poeta
Flávio Rabelo Versiani – Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UNB)
Francisco João Lessa – Advogado, Direção do PT-SC
Francisco Johny Rodrigues Silva – Coordenador do Fórum Afro da Amazônia (FORAFRO)
Francisco Martinho – Professor do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Francisco Mauro Salzano – Professor Emérito do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
George de Cerqueira Leite Zarur – Professor Internacional da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO)
Gerald Thomas – Dramaturgo, criador e diretor da Companhia de Ópera Seca
Gilberto Horchman – Pesquisador, Fundação Oswaldo Cruz
Gilberto Velho – Professor Titular de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira de Ciências
Gilda Portugal – Professora de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Gilson Schwartz – Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cidade do Conhecimento
Glaucia Kruse Villas Bôas – Professora Associada de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Gursen De Miranda – Professor Adjunto da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias
Helda Castro de Sá – Coordenadora da Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia
Helena Severo – Cientista social, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas (NEP) do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro
Helga Hoffmann – Economista, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Heloisa Helena T. de Souza Martins – Professora aposentada de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
Isabel Lustosa – Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui Barbosa
João Rodarte – Empresário
João Ubaldo Ribeiro – Escritor
José Álvaro Moisés – Professor Titular do Departamento de Ciência Política e Diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
José Arbex Jr. – Jornalista e professor do Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
José Augusto Guilhon Albuquerque – Professor Titular (aposentado) de Relações Internacionais da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP)
José Carlos Miranda – Coordenador Nacional do Movimento Negro Socialista
José Goldemberg – Ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP)
José de Souza Martins – Professor Titular (aposentado) de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
José Roberto Pinto de Góes – Historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Karina Kuschnir – Antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Leão Alves – Presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro
Leonel Munhoz Coimbra – Analista de Controle Externo, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Escola Nacional de Administração Pública
Lourdes Sola – Presidente da Associação Internacional de Ciência Política e professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP)
Luciana Villas-Boas – Diretora do Grupo Editorial Record
Luciene G. Souza – Mestre em Saúde Pública, Fundação Nacional de Saúde
Luiz Alphonsus – Artista Plástico
Luiz Fernando Dias Duarte – Professor Associado do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Luiz Werneck Vianna – Professor Titular do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)
Lya Luft – Escritora
Manolo Garcia Florentino – Professor do Departamento de Historia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Marcelo Hermes-Lima – Professor de Bioquímica Médica da Universidade de Brasília (UNB)
Marcos Chor Maio – Pesquisador da da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Margarida Cintra Gordinho – Editora
Maria Alice Resende de Carvalho – Socióloga
Maria Cátira Bortolini – Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Maria Conceição Pinto de Góes – Professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Herminia Tavares de Almeida – Cientista Política
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti – Professora Associada do Instituto de Filosofia e Ciencias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Sylvia Carvalho Franco – Professora Titular da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Mariza Peirano – Professora Titular, Antropologia, Universidade de Brasília (UNB)
Maurício Soares Leite – Professor Adjunto, Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Moacyr Góes – Diretor de teatro e cineasta
Monica Grin – Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Nelson Motta – Produtor musical, jornalista e escritor
Patrícia Vanzella – Professora Adjunta, Departamento de Música da Universidade de Brasília (UNB)
Pedro Paulo Poppovic – Empresário
Peter Henry Fry – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Reinaldo Azevedo – Jornalista, articulista da revista VEJA e editor do “Blog do Reinaldo Azevedo”
Renata Aparecida Vaz – Coordenação do Movimento Negro Socialista–SP
Renato Lessa – Professor Titular de Teoria Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Presidente do Instituto Ciência Hoje
Ricardo Ventura Santos – Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e Professor Adjunto do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Roberta Fragoso Menezes Kaufmann – Procuradora do Distrito Federal, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UNB) e Professora de Direito Constitucional
Roberto Romano da Silva – Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Rodolfo Hoffmann – Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Ronaldo Vainfas – Professor Titular da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Roque Ferreira – Coordenação da Federação Nacional de Trabalhadores de Transporte sobre Trilho–CUT
Ruth Correa Leite Cardoso – Antropóloga
Serge Goulart – Secretário da Esquerda Marxista do PT
Sergio Danilo Pena – Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Simon Schwartzman – Pesquisador do Instituto de Estudos do Tabalho e Sociedade (IETS)
Simone Monteiro – Pesquisadora Associada, Fundação Oswaldo Cruz
Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista Político
Wilson Trajano Filho – Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB)
Yvonne Maggie – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Excelentíssimo Sr. Ministro,
Duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 3.330 e ADI 3.197) promovidas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), a primeira contra o programa PROUNI e a segunda contra a lei de cotas nos concursos vestibulares das universidades estaduais do Rio de Janeiro, serão apreciadas proximamente pelo STF. Os julgamentos terão significado histórico, pois podem criar jurisprudência sobre a constitucionalidade de cotas raciais não só para o financiamento de cursos no ensino superior particular e para concursos de ingresso no ensino superior público como para concursos públicos em geral. Mais ainda: os julgamentos têm o potencial de enviar uma mensagem decisiva sobre a constitucionalidade da produção de leis raciais.
Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.
Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O Artigo 208 dispõe que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Alinhada com os princípios e garantias da Constituição Federal, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro, no seu Artigo 9, § 1º, determina que: “Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição”.
As palavras da Lei emanam de uma tradição brasileira, que cumpre exatos 120 anos desde a Abolição da escravidão, de não dar amparo a leis e políticas raciais. No intuito de justificar o rompimento dessa tradição, os proponentes das cotas raciais sustentam que o princípio da igualdade de todos perante a lei exige tratar desigualmente os desiguais. Ritualmente, eles citam a Oração aos Moços, na qual Rui Barbosa, inspirado em Aristóteles, explica que: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.” O método de tratar desigualmente os desiguais, a que se refere, é aquele aplicado, com justiça, em campos tão distintos quanto o sistema tributário, por meio da tributação progressiva, e as políticas sociais de transferência de renda. Mas a sua invocação para sustentar leis raciais não é mais que um sofisma.
Os concursos vestibulares, pelos quais se dá o ingresso no ensino superior de qualidade “segundo a capacidade de cada um”, não são promotores de desigualdades, mas se realizam no terreno semeado por desigualdades sociais prévias. A pobreza no Brasil tem todas as cores. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, entre 43 milhões de pessoas de 18 a 30 anos de idade, 12,9 milhões tinham renda familiar per capita de meio salário mínimo ou menos. Neste grupo mais pobre, 30% classificavam-se a si mesmos como “brancos”, 9% como “pretos”, e 60% como “pardos”. Desses 12,9 milhões, apenas 21% dos “brancos” e 16% dos “pretos” e “pardos” haviam completado o ensino médio, mas muito poucos, de qualquer cor, continuaram estudando depois disso. Basicamente, são diferenças de renda, com tudo que vem associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino superior.
Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:
- As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como “negro” a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como “branco”, mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como “negros”.
- As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos “raciais” polares, gerando uma desigualdade “natural” num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como “negros” que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como “brancos” e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.
A PNAD de 2006 informa que 9,41 milhões de estudantes cursavam o ensino médio, mas apenas 5,87 milhões freqüentavam o ensino superior, dos quais só uma minoria de 1,44 milhão estavam matriculados em instituições superiores públicas. As leis de cotas raciais não alteram em nada esse quadro e não proporcionam inclusão social. Elas apenas selecionam “vencedores” e “perdedores”, com base num critério altamente subjetivo e intrinsecamente injusto, abrindo cicatrizes profundas na personalidade dos jovens, naquele momento de extrema fragilidade que significa a disputa, ainda imaturos, por uma vaga que lhes garanta o futuro.
Queremos um Brasil onde seus cidadãos possam celebrar suas múltiplas origens, que se plasmam na criação de uma cultura nacional aberta e tolerante, no lugar de sermos obrigados a escolher e valorizar uma única ancestralidade em detrimento das outras. O que nos mobiliza não é o combate à doutrina de ações afirmativas, quando entendidas como esforço para cumprir as Declarações Preambulares da Constituição, contribuindo na redução das desigualdades sociais, mas a manipulação dessa doutrina com o propósito de racializar a vida social no país. As leis que oferecem oportunidades de emprego a deficientes físicos e que concedem cotas a mulheres nos partidos políticos são invocadas como precedentes para sustentar a admissibilidade jurídica de leis raciais. Esse segundo sofisma é ainda mais grave, pois conduz à naturalização das raças. Afinal, todos sabemos quem são as mulheres e os deficientes físicos, mas a definição e delimitação de grupos raciais pelo Estado é um empreendimento político que tem como ponto de partida a negação daquilo que nos explicam os cientistas.
Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.” (“Receita para uma humanidade desracializada”, Ciência Hoje Online, setembro de 2006).
Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O “racismo científico” do século XIX acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia, erguendo um pilar “científico” de sustentação da ideologia da “missão civilizatória” dos europeus, que foi expressa celebremente como o “fardo do homem branco”.
Os poderes coloniais, para separar na lei os colonizadores dos nativos, distinguiram também os nativos entre si e inscreveram essas distinções nos censos. A distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais inculcou a raça nas consciências e na vida política, semeando tensões e gestando conflitos que ainda perduram. Na África do Sul, o sistema do apartheid separou os brancos dos demais e foi adiante, na sua lógica implacável, fragmentando todos os “não-brancos” em grupos étnicos cuidadosamente delimitados. Em Ruanda, no Quênia e em tantos outros lugares, os africanos foram submetidos a meticulosas classificações étnicas, que determinaram acessos diferenciados aos serviços e empregos públicos. A produção política da raça é um ato político que não demanda diferenças de cor da pele.
O racismo contamina profundamente as sociedades quando a lei sinaliza às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial – e que seus direitos são afetados por esse critério de pertinência de raça. Nos Estados Unidos, modelo por excelência das políticas de cotas raciais, a abolição da escravidão foi seguida pela produção de leis raciais baseadas na regra da “gota de sangue única”. Essa regra, que é a negação da mestiçagem biológica e cultural, propiciou a divisão da sociedade em guetos legais, sociais, culturais e espaciais. De acordo com ela, as pessoas são, irrevogavelmente, “brancas” ou “negras”. Eis aí a inspiração das leis de cotas raciais no Brasil.
“Eu tenho o sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo conteúdo de seu caráter”. Há 45 anos, em agosto, Martin Luther King abriu um horizonte alternativo para os norte-americanos, ancorando-o no “sonho americano” e no princípio político da igualdade de todos perante a lei, sobre o qual foi fundada a nação. Mas o desenvolvimento dessa visão pós-racial foi interrompido pelas políticas racialistas que, a pretexto de reparar injustiças, beberam na fonte envenenada da regra da “gota de sangue única”. De lá para cá, como documenta extensamente Thomas Sowell em Ação afirmativa ao redor do mundo: um estudo empírico (Univer Cidade, 2005), as cotas raciais nos Estados Unidos não contribuíram em nada para reduzir desigualdades mas aprofundaram o cisma racial que marca como ferro em brasa a sociedade norte-americana.
“É um impasse racial no qual estamos presos há muitos anos”, na constatação do senador Barack Obama, em seu discurso pronunciado a 18 de março, que retoma o fio perdido depois do assassinato de Martin Luther King. O “impasse” não será superado tão cedo, em virtude da lógica intrínseca das leis raciais. Como assinalou Sowell, com base em exemplos de inúmeros países, a distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais tende a retroalimentar as percepções racializadas da sociedade – e em torno dessas percepções articulam-se carreiras políticas e grupos organizados de pressão.
Mesmo assim, algo se move nos Estados Unidos. Há pouco, repercutindo um desencanto social bastante generalizado com o racialismo, a Suprema Corte declarou inconstitucionais as políticas educacionais baseadas na aplicação de rótulos raciais às pessoas. No seu argumento, o presidente da Corte, juiz John G. Roberts Jr., escreveu que “o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é acabar com a discriminação baseada na raça”. Há um sentido claro na reiteração: a inversão do sinal da discriminação consagra a raça no domínio da lei, destruindo o princípio da cidadania.
Naquele julgamento, o juiz Anthony Kennedy alinhou-se com a maioria, mas proferiu um voto separado que contém o seguinte protesto: “Quem exatamente é branco e quem é não-branco? Ser forçado a viver sob um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos indivíduos na nossa sociedade. E é um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar!”. Nos censos do IBGE, as informações de raça/cor abrigam a mestiçagem e recebem tratamento populacional. As leis raciais no Brasil são algo muito diferente: elas têm o propósito de colar “um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar” e, no caso das cotas em concursos vestibulares, associam nominalmente cada jovem candidato a uma das duas categorias “raciais” polares, impondo-lhes uma irrecorrível identidade oficial.
O juiz Kennedy foi adiante e, reconhecendo a diferença entre a doutrina de ações afirmativas e as políticas de cotas raciais, sustentou a legalidade de iniciativas voltadas para a promoção ativa da igualdade que não distinguem os indivíduos segundo rótulos raciais. Reportando-se à realidade norte-americana da persistência dos guetos, ele mencionou, entre outras, a seleção de áreas residenciais racialmente segregadas para os investimentos prioritários em educação pública.
No Brasil, difunde-se a promessa sedutora de redução gratuita das desigualdades por meio de cotas raciais para ingresso nas universidades. Nada pode ser mais falso: as cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada. Há um programa inteiro de restauração da educação pública a se realizar, que exige políticas adequadas e vultosos investimentos. É preciso elevar o padrão geral do ensino mas, sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas devastadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural. O direcionamento prioritário de novos recursos para esses espaços de pobreza beneficiaria jovens de baixa renda de todos os tons de pele – e, certamente, uma grande parcela daqueles que se declaram “pardos” e “pretos”.
A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.
A sociedade brasileira não está livre da chaga do racismo, algo que é evidente no cotidiano das pessoas com tom de pele menos claro, em especial entre os jovens de baixa renda. A cor conta, ilegal e desgraçadamente, em incontáveis processos de admissão de funcionários. A discriminação se manifesta de múltiplas formas, como por exemplo na hora das incursões policiais em bairros periféricos ou nos padrões de aplicação de ilegais mandados de busca coletivos em áreas de favelas.
Por certo existe preconceito racial e racismo no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista. Depois da Abolição, no lugar da regra da “gota de sangue única”, a nação brasileira elaborou uma identidade amparada na idéia anti-racista de mestiçagem e produziu leis que criminalizam o racismo. Há sete décadas, a República não conhece movimentos racistas organizados ou expressões significativa de ódio racial. O preconceito de raça, acuado, refugiou-se em expressões oblíquas envergonhadas, temendo assomar à superfície. A condição subterrânea do preconceito é um atestado de que há algo de muito positivo na identidade nacional brasileira, não uma prova de nosso fracasso histórico.
“Quem exatamente é branco e quem é não-branco?” – a indagação do juiz Kennedy provoca algum espanto nos Estados Unidos, onde quase todos imaginam conhecer a identidade “racial” de cada um, mas parece óbvia aos ouvidos dos brasileiros. Entre nós, casamentos interraciais não são incomuns e a segregação residencial é um fenômeno basicamente ligado à renda, não à cor da pele. Os brasileiros tendem a borrar as fronteiras “raciais”, tanto na prática da mestiçagem quanto no imaginário da identidade, o que se verifica pelo substancial e progressivo incremento censitário dos “pardos”, que saltaram de 21% no Censo de 1940 para 43% na PNAD de 2006, e pela paralela redução dos “brancos” (de 63% para 49%) ou “pretos” (de 15% para 7%).
A percepção da mestiçagem, que impregna profundamente os brasileiros, de certa forma reflete realidades comprovadas pelos estudos genéticos. Uma investigação já célebre sobre a ancestralidade de brasileiros classificados censitariamente como “brancos”, conduzida por Sérgio Pena e sua equipe da Universidade Federal de Minas Gerais, comprovou cientificamente a extensão de nossas miscigenações. “Em resumo, estes estudos filogeográficos com brasileiros brancos revelaram que a imensa maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das matrilinhagens (mais de 60%) é ameríndia ou africana” (PENA, S. “Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?”, Estudos Avançados 18 (50), 2004). Especificamente, a análise do DNA mitocondrial, que serve como marcador de ancestralidades maternas, mostrou que 33% das linhagens eram de origem ameríndia, 28% de origem africana e 39% de origem européia.
Os estudos de marcadores de DNA permitem concluir que, em 2000, existiam cerca de 28 milhões de afrodescendentes entre os 90,6 milhões de brasileiros que se declaravam “brancos” e que, entre os 76,4 milhões que se declaravam “pardos” ou “pretos”, 20% não tinham ancestralidade africana. Não é preciso ir adiante para perceber que não é legítimo associar cores de pele a ancestralidades e que as operações de identificação de “negros” com descendentes de escravos e com “afrodescentes” são meros exercícios da imaginação ideológica. Do mesmo modo, a investigação genética evidencia a violência intelectual praticada pela unificação dos grupos censitários “pretos” e “pardos” num suposto grupo racial “negro”.
Mas a violência não se circunscreve à esfera intelectual. As leis de cotas raciais são veículos de uma engenharia política de fabricação ou recriação de raças. Se, individualmente, elas produzem injustiças singulares, socialmente têm o poder de gerar “raças oficiais”, por meio da divisão dos jovens estudantes em duas raças polares. Como, no Brasil, não sabemos quem exatamente é “negro” e quem é “não-negro”, comissões de certificação racial estabelecidas pelas universidades se encarregam de traçar uma fronteira. A linha divisória só se consolida pela validação oficial da autodeclaração dos candidatos, num processo sinistro em que comissões universitárias investigam e deliberam sobre a “raça verdadeira” dos jovens a partir de exames de imagens fotográficas ou de entrevistas identitárias. No fim das contas, isso equivale ao cancelamento do princípio da autodeclaração e sua substituição pela atribuição oficial de identidades raciais.
Na UnB, uma comissão de certificação racial composta por professores e militantes do movimento negro chegou a separar dois irmãos gêmeos idênticos pela fronteira da raça. No Maranhão, produziram-se fenômenos semelhantes. Pelo Brasil afora, os mesmos candidatos foram certificados como “negros” em alguma universidade mas descartados como “brancos” em outra. A proliferação das leis de cotas raciais demanda a produção de uma classificação racial geral e uniforme. Esta é a lógica que conduziu o MEC a implantar declarações raciais nominais e obrigatórias no ato de matrícula de todos os alunos do ensino fundamental do país. O horizonte da trajetória de racialização promovida pelo Estado é o estabelecimento de um carimbo racial compulsório nos documentos de identidade de todos os brasileiros. A história está repleta de barbaridades inomináveis cometidas sobre a base de carimbos raciais oficialmente impostos.
A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.
A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de “raças oficiais” e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.
Ao julgar as cotas raciais, o STF não estará deliberando sobre um método de ingresso nas universidades, mas sobre o significado da nação e a natureza da Constituição. Leis raciais não ameaçam uma “elite branca”, conforme esbravejam os racialistas, mas passam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros. Essa linha divisória atravessaria as salas de aula das escolas públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas e as casas dos bairros pobres. Neste início de terceiro milênio, um Estado racializado estaria dizendo aos cidadãos que a utopia da igualdade fracassou – e que, no seu lugar, o máximo que podemos almejar é uma trégua sempre provisória entre nações separadas pelo precipício intransponível das identidades raciais. É esse mesmo o futuro que queremos?
Assinam:
Adel Daher – Diretor do Sindicato dos Ferroviários de Bauru e MS
Adelaide Jóia – Socióloga e Mestre em Educação Infantil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Adriana Atila – Doutora em Antropologia Cultural, IFCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Aguinaldo Silva – Jornalista, telenovelista
Alba Zaluar – Titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), colunista da Folha de S. Paulo
Almir Lima da Silva – Jornalista, Centro de Cultura Negra de Macaé-RJ
Alzira Alves de Abreu – Pesquisadora do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
Amâncio Paulino de Carvalho – Professor da Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Ana Maria Machado – Escritora, membro da Academia Brasileira de Letras
Ana Teresa A. Venancio – Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Ângela Porto – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Antonio Cicero – Poeta e ensaísta
Antonio Risério – Antropólogo
Arlindo Belo da Silva – Conselheiro Fiscal da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Químico (CNQ–CUT)
Bernardo Lewgoy – Professor Adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Bernardo Sorj – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bernardo Vilhena – Poeta
Bila Sorj – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bolivar Lamounier – Cientista Político
Caetano Veloso - cantor e compositor
Carlos A. de L. Costa Ribeiro – Professor e Consultor em Ciências do Meio Ambiente
Carlos Pio – Professor da Universidade de Brasília (UNB)
Carlos José Serapião – Professor Titular aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor Titular da Universidade da Região de Joinville–SC
Celso Castro – Antropólogo, professor do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
César Benjamin – Editor
Charles Pires – Diretor do Sindicato dos Funcionários Publicos Municipais de Florianópolis e membro da Executiva da CUT-SC
Cremilda Medina – Jornalista e professora Titular da Universidade de São Paulo (USP)
Cynthia Maria Pinto da Luz – Advogada, Conselheira Nacional do Movimento Nacional em Defesa dos Direitos Humanos
Claudia Travassos – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Darcy Fontoura de Almeida – Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Demétrio Magnoli – Sociólogo, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Diomédes Matias da Silva Filho – Diretor do Sindicato dos Professores do Estado de Pernambuco
Domingos Guimaraens – Poeta e artista plástico
Edmar Lisboa Bacha – Economista
Eduardo Giannetti – Economista
Eduardo Pizarro Carnelós – Advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça
Elizabeth Balbachevsky – Professora Associada do Departamento de Ciência Política e pesquisadora sênior do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
Esteffane Emanuelle Ferreira – Estudante, Coordenação do DCE da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Eunice Durham – Professora Emérita da FFLCH da Universidade de São Paulo (USP)
Fernando Gomes Martins – Associação de Moradores do Parque Bandeirantes e Movimento Hip Hop Sumaré-SP
Ferreira Gullar – Poeta
Flávio Rabelo Versiani – Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UNB)
Francisco João Lessa – Advogado, Direção do PT-SC
Francisco Johny Rodrigues Silva – Coordenador do Fórum Afro da Amazônia (FORAFRO)
Francisco Martinho – Professor do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Francisco Mauro Salzano – Professor Emérito do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
George de Cerqueira Leite Zarur – Professor Internacional da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO)
Gerald Thomas – Dramaturgo, criador e diretor da Companhia de Ópera Seca
Gilberto Horchman – Pesquisador, Fundação Oswaldo Cruz
Gilberto Velho – Professor Titular de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira de Ciências
Gilda Portugal – Professora de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Gilson Schwartz – Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cidade do Conhecimento
Glaucia Kruse Villas Bôas – Professora Associada de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Gursen De Miranda – Professor Adjunto da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias
Helda Castro de Sá – Coordenadora da Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia
Helena Severo – Cientista social, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas (NEP) do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro
Helga Hoffmann – Economista, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Heloisa Helena T. de Souza Martins – Professora aposentada de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
Isabel Lustosa – Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui Barbosa
João Rodarte – Empresário
João Ubaldo Ribeiro – Escritor
José Álvaro Moisés – Professor Titular do Departamento de Ciência Política e Diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
José Arbex Jr. – Jornalista e professor do Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
José Augusto Guilhon Albuquerque – Professor Titular (aposentado) de Relações Internacionais da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP)
José Carlos Miranda – Coordenador Nacional do Movimento Negro Socialista
José Goldemberg – Ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP)
José de Souza Martins – Professor Titular (aposentado) de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
José Roberto Pinto de Góes – Historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Karina Kuschnir – Antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Leão Alves – Presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro
Leonel Munhoz Coimbra – Analista de Controle Externo, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Escola Nacional de Administração Pública
Lourdes Sola – Presidente da Associação Internacional de Ciência Política e professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP)
Luciana Villas-Boas – Diretora do Grupo Editorial Record
Luciene G. Souza – Mestre em Saúde Pública, Fundação Nacional de Saúde
Luiz Alphonsus – Artista Plástico
Luiz Fernando Dias Duarte – Professor Associado do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Luiz Werneck Vianna – Professor Titular do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)
Lya Luft – Escritora
Manolo Garcia Florentino – Professor do Departamento de Historia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Marcelo Hermes-Lima – Professor de Bioquímica Médica da Universidade de Brasília (UNB)
Marcos Chor Maio – Pesquisador da da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Margarida Cintra Gordinho – Editora
Maria Alice Resende de Carvalho – Socióloga
Maria Cátira Bortolini – Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Maria Conceição Pinto de Góes – Professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Herminia Tavares de Almeida – Cientista Política
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti – Professora Associada do Instituto de Filosofia e Ciencias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Sylvia Carvalho Franco – Professora Titular da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Mariza Peirano – Professora Titular, Antropologia, Universidade de Brasília (UNB)
Maurício Soares Leite – Professor Adjunto, Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Moacyr Góes – Diretor de teatro e cineasta
Monica Grin – Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Nelson Motta – Produtor musical, jornalista e escritor
Patrícia Vanzella – Professora Adjunta, Departamento de Música da Universidade de Brasília (UNB)
Pedro Paulo Poppovic – Empresário
Peter Henry Fry – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Reinaldo Azevedo – Jornalista, articulista da revista VEJA e editor do “Blog do Reinaldo Azevedo”
Renata Aparecida Vaz – Coordenação do Movimento Negro Socialista–SP
Renato Lessa – Professor Titular de Teoria Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Presidente do Instituto Ciência Hoje
Ricardo Ventura Santos – Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e Professor Adjunto do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Roberta Fragoso Menezes Kaufmann – Procuradora do Distrito Federal, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UNB) e Professora de Direito Constitucional
Roberto Romano da Silva – Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Rodolfo Hoffmann – Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Ronaldo Vainfas – Professor Titular da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Roque Ferreira – Coordenação da Federação Nacional de Trabalhadores de Transporte sobre Trilho–CUT
Ruth Correa Leite Cardoso – Antropóloga
Serge Goulart – Secretário da Esquerda Marxista do PT
Sergio Danilo Pena – Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Simon Schwartzman – Pesquisador do Instituto de Estudos do Tabalho e Sociedade (IETS)
Simone Monteiro – Pesquisadora Associada, Fundação Oswaldo Cruz
Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista Político
Wilson Trajano Filho – Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB)
Yvonne Maggie – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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